O poeta inicia em
Numeral/
Nominal a revisão de sua obra poética e, inicia
também, a declaração de suas influências e negações. Devemos pensar, então, que a
poesia de A.F.F. antes da reunião
Máquina de escrever,
era uma poesia em formação.
As influências, as vozes ressoantes e dissonantes eram, sim, presentes, mas não eram,
ainda, confessas. Portanto, o grande lance poético que o autor nos mostra na reunião de
sua poesia é a função metonímica de
Numeral/Nominal
. Nesse livro o corpo poético da
obra de Armando ganha uma “consciência” própria, ou seja, é um livro que pensa sobre
o fazer poético e as inominadas referências dos doze livros anteriores a si. Numeral
também mostra, como constatou Mário Alex Rosa (2009), a dualidade entre poesia
acontecendo, e o trabalho exposto do poeta que a escreve. Portanto,
Numeral/Nominal
inicia um processo de conhecimento de sua própria base poética, mas isso não é
mencionado abertamente, ficando subentendido nas declarações dos versos e das
epígrafes até a
Máquina de escrever
.
Temos, assim, uma poesia que se debruça sobre si mesma. E esse processo de
revisão e revelações se dá por meio de uma metalinguagem que dualiza e, às vezes, até
confunde confissões poéticas com autobiografia. Não por só, depois da peripécia de
mostrar que a vida de uma poesia, sim, pode começar aos quarenta, A.F.F. dá um
retoque final de revisão com poemas do livro
Raro mar
. Aí se concluem os limites,
laços e possibilidades de invenção dessa poesia.
Concluímos que, então, a revisão e rescrita que A.F.F. inicia em
Numeral/Nominal
e se estende até
Raro mar
, é uma reescrita não de memórias, mas da
memória, de confissões e de revelações. Do lançamento do primeiro livro de poemas do
autor,
Palavra
, era pouco perceptível a carga, ou a gama de presenças e vozes diversas
que acompanhariam o processo de criação de uma obra poética dualizada entre os
dilemas da tradição pulsante e o acaso da invenção própria. A tradição é pulsante não
somente porque marca um terreno nacional ou temporal de uma estética literária
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, mas
porque marca fortemente a iniciação do próprio Armando Freitas Filho nos caminhos da
poesia. O seu contato com a escrita vem desde quando era garoto e adorava escrever
sobre futebol, ou copiar os textos e caligrafias de seus colegas de estudo (HOLLANDA,
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A partir da Semana de 22 temos estabelecida a linha divisória da literatura moderna e tradicional e,
consequentemente, o marco do cânone literário brasileiro. Como afirma Italo Moriconi, “com o
modernismo canônico, constitui-se de forma integral nosso cânone moderno. A existência de um cânone é
o que permite dizer que uma nação ou povo possui uma cultura poética, um repertório referencial de
obras universalmente válido para ela.”. (MORICONI, 2002, p. 89).