Página 260 - Anais do IV Seminário Leituras da Modernidade: entornos da poesia

De Música Antológica & Onze Cidades (1997), seu primeiro livro publicado por
uma editora, a Oráculos de Cabeceira (2009), sua última publicação, as experiências de
leitura que se tem diante dos olhos configuram-se em pequenas epifanias de um sujeito
poético em trânsito, que narra a contemporaneidade através da presença de signos
referentes à concretude de espaços e situações urbanas como em Trinity Sunday:
Inadvertido, reconheces
o fio que te prende
a este ponto do tempo
e da paisagem
Na torre de St Mary’s,
em Warwick,
de onde se avisam
seis condados.
E assim chegas completo
à tua canção, forasteiro.
Sem nome, sem história.
(CABRAL, 2005, p. 26)
É possível, nesse poema, ler travessias de um sujeito poético que observa a
cidade, suas cenas e contradições tal qual um flanêur atento às minuciosidades de cada
passo e de cada acontecimento, fazendo poemas com elementos ao seu redor como a
“torre de St Mary’s” e os “seis condados”. Um sujeito que parece interromper seu passo
em meio à profusão e à velocidade, características de seu tempo, deparando-se
peculiares situações rotineiras, num impulso de ler o mundo para além de Lisboa, por
um cotidiano comum aos mais diversos lugares.
Um sujeito cínico no contemporâneo além-mar
N’A coragem da verdade , último curso ministrado por Michel Foucault no
Collège de France em 1984, a continuidade ao estudo do tema da parresía, da fala
franca, deslocou-se do viés político para o ético a partir da atenção dedicada à
importante figura de Sócrates cuja missão do cuidado de si e dos outros lhe foi enviada
pelos deuses5. Foucault desenvolve a questão do sujeito parresiástico ao articulá-lo com
5 Baseio-me neste trecho: “[...] a ironia socrática consiste em se arriscar à cólera, à irritação, à vingança,
de parte das pessoas, até mesmo a ser processado por elas, para conduzi-las, a despeito de si mesmas, a
cuidar de si mesmas, da sua alma e da verdade. No caso mais simples, o da bravura política, tratava-se de