registro de uma experiência urbana de desumanização [...], registro muito coloquial, ou
de uma subversão mais aparente do que efectiva [sic] da métrica utilizada”
(MARTELO, 2007, p. 49). Impossível, para mim, não lembrar da “Autopsicografia” de
Fernando Pessoa, nos emblemáticos versos daquele sujeito poético que “Finge tão
completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente.” (PESSOA,
2012). No livro
Longe da aldeia
, no qual se insere o poema “Trinity Sunday” e os
demais citados neste artigo, há o registro lírico de um sujeito comprometido com o
tempo contemporâneo que, ao tomar a palavra poética, instaura um discurso, uma
possibilidade outra ao
ethos
do sujeito poético, ficcional, ou àquele do poeta português,
que foi registrado na polêmica conjuntura de publicação da antologia
Poetas sem
qualidades
, que denuncia a velocidade dos acontecimentos na contemporaneidade, desta
modernidade líquida. Diante do leitor, poderia se materializar um enfrentamento, uma
possibilidade outra de estar no mundo, articulada pelo sujeito poético que percorre as
complexas geografias dos centros urbanos como aquele longínquo que desejava
“Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!” (VERDE, 1976).
Uma possibilidade outra:
Longe da Aldeia
Longe da aldeia
, publicado em 2005, tematiza as experiências cotidianas
vivenciadas por um sujeito em viagem. Dividido, estruturalmente, em duas seções, “O
coração da Inglaterra” e “Cidade dos desaparecidos”, cujos poemas de abertura e
encerramento têm nomes homônimos a cada parte, leem-se os signos que representam o
itinerário de viagem, os lugares da chegada e do retorno: Inglaterra e Portugal.
A viagem não é novidade temática na poesia portuguesa, pois, ao longo dos
tempos, esse tema está presente em muitas obras literárias, com destaque para o
canônico poema
Os Lusíadas
. Se, no passado, navegar foi preciso, hoje, no início do
século XXI, o ato de se deslocar configura-se em um desejo não restrito às naus
lusitanas da frota de Vasco da Gama
6
. A viagem acontece em múltiplas lugares e
maneiras, semelhante àquele sujeito poético que viaja dentro de sua cidade, a Lisboa do
século XIX n’”O sentimento de um ocidental
(VERDE, 1976). Hoje, no espaço urbano
construído por largas avenidas e ruas que desenham as metrópoles e megalópoles, o
6
Penso no início do verbete dedicado à literatura de viagens: “As viagens e a reflexão em torno delas têm
sido tema constante na história literária portuguesa, favorecendo os altos vôos da imaginação em busca de
novos horizontes, motivados, talvez, pela própria localização de Portugal à beira-mar.” In: MOISÉS,
Massaud.
Pequeno dicionário de literatura portuguesa
. São Paulo: Cultrix, 1981.
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