sujeito poético desse livro: um desassossegado que precisa sair, estar livre das amarras,
dos elementos constituintes ao
nómos
contemporâneo, para dimensionar a importância
de Lisboa em sua existência, possibilitando um olhar outro a sua cidade natal e exigindo
dela mudanças para que deixasse de ser um lugar de cidadãos desaparecidos e
submetidos ao fluxo ininterrupto da contemporaneidade que não cessa e que não
permite a contemplação e o conhecimento desse espaço como ele é, conforme a sua
verdade. Há, enfim, a formulação de uma crítica, de uma vontade de transgredir esse
status
de desaparecido direcionada aos portugueses, e um pedido para que cada
indivíduo pare, observe e cuide de si para, assim, se tornar sujeito, senhor dos cuidados
necessários a sua vivência e, assim, modificar a cidade, instaurando uma vida outra ao
já estabelecido: um enfrentamento cínico por excelência.
Considerações finais
Busquei, neste artigo, articular as reflexões materializadas no último curso de
Michel Foucault no Collège de France (1984) ao livro
Longe da aldeia
(2005), de Rui
Pires Cabral. Em seu curso, como já exposto, as questões da filosofia cínica foram
abordadas, problematizando-a especialmente no que ele nomeou como possibilidade de
uma “vida outra”. A partir disso, ler traços de cinismo, reiterados na contemporaneidade
a partir de alguns de seus poemas, já que acredito que a arte quer, necessita, ser
transgressão e essa seria uma forma de realizar tal desejo. Os dois traços cínicos que
observei nesse livro referem-se às questões da linguagem componente do discurso
poético e, também, da
flânerie
. Li o sujeito poético de
Longe da aldeia
como aquele que
possuiria alguns traços, vestígios, dessa filosofia, buscando identificar semelhante
compromisso com o dizer verdadeiro como aquele que poderia fazer com que o “outro”
cuidasse de si, no caso, o leitor de poesia.
Através da denúncia e do escândalo consequente do modo de vida cínico, era
possível provocar desassossegos nos outros, fazendo com que eles olhassem para si,
para suas atitudes e seus modos de vida atrelados a um determinado
ethos
. Li traços de
cinismo e não identifiquei a aplicação dessa filosofia,
ipsis litteris
, nas experiências de
vida do sujeito poético do livro de Pires Cabral, pois, como afirmou Foucault, definir
uma atitude cínica por excelência é complexo. Com isso, pensei, sobretudo, no
compromisso que a arte assume como manifestação que desestabiliza as convenções, o
nómos
, pois ela se instaura como transgressão, como ruptura. Por isso, acredito que o