O sentimento de
L’Allegria
de que o ato poético é, a qualquer preço,
um ato de libertação, de que só na liberdade há poesia, retornara vivo
e claro em mim, confirmando em mim que não há noção de liberdade
a não ser pelo ato poético que nos dá a noção do Absoluto.
(UNGARETTI, 1964, p. 209)
Por essa essência libertária, a imagem poética ultrapassa os limites de
tempo/espaço. Para Ungaretti, ela é indefinível, pois resolve milagrosamente as
oposições de uma Literatura que pretende ser “singular e única”, “anônima e universal”.
Como diz o também poeta Octavio Paz, “a imagem explica-se a si mesma, o sentido da
imagem é a própria imagem. Nada exceto ela, pode dizer o que quer dizer. Sentido e
imagem são a mesma coisa”. E, por esse motivo, as imagens de um poema “nos
colocam diante de uma realidade concreta” (PAZ, 2009, p. 47).
Ungaretti foi um soldado de guerra que enxergou, sentiu e expressou tão
ricamente
L’Allegria
das mínimas coisas. Sentimento dilatado pela guerra, pois diante
de tanto horror, a importância desses instantes aumentava. E essa dimensão desmedida
que os aspectos mais simplórios de um contexto trivial, do dia a dia ganharam, ele
conseguiu equilibrar na criação de imagens poéticas. A
imagem
eternizou aqueles
pequenos fragmentos que suscitavam no poeta a
Allegria
de estar vivo a cada instante.
Assim, a imagem é um recurso desesperado contra o silêncio que nos
invade cada vez que tentamos exprimir a terrível experiência do que
nos rodeia e de nós mesmos. O poema é linguagem em tensão: em
extremo de ser e em ser até o extremo.
(PAZ, 2009, p.48)
No ato desesperado diante da guerra, recorreu-se à Literatura, uma vez que a
“realidade poética não pode aspirar à verdade. O poema não diz o que é e sim o que
poderia ser” (PAZ, 2009, p.38).
É possível que o Leitor (re)viva momentos um dia percebidos com as
reminiscências “despertadas” pelos textos poéticos ungarettianos. E reminiscência
significa “viver de novo” o evento, mas de uma “outra” forma que não aquela vivida,
pois, caso contrário, os poemas serviriam como mera “autobiografia” do poeta italiano.
É dessa maneira, por exemplo, que se instaura um novo viver de uma manhã:
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