MANHÃ
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Deslumbro-me
de imenso
A famosa síntese lírica “Mattina”
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exemplifica com “clareza” o que é Poesia
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para Ungaretti e sua forma mostra um novo pensar e fazer poético. A extrema concisão,
“como se fosse um haicai ocidental”
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e a quebra de sintaxe rompem com a tradição do
“verso-italiano”, que era normalmente elaborado em hendecassílados.
Não há a intenção de descrever uma manhã. O dístico, a brevidade são a prova
disso. Mas através da imagem criada é possível (re)vivermos uma manhã. No sentido de
que a imagem poética potencializa os versos “iluminados”.
Primeiramente, o verbo “deslumbrar-se” foi usado na transcriação de Haroldo de
Campos substituindo o “M’illumino” do original, também, para manter a métrica, uma
vez que na língua italiana, trata-se de uma proparoxítona. Assim, em ambos os casos, a
sílaba tônica do primeiro verso incide no /lu/, reforçando a carga semântica de “luz”.
Seguindo a sintaxe gramatical, o mais comum para complementar o verbo
pronominal seria a construção com um advérbio ou uma locução adjetiva, portanto:
“Deslumbro-me”/
imensamente
ou
de imensidão, imensidade
. Entretanto, o sujeito
poético deslumbra-se “de imenso”. Nesse caso, o valor semântico da preposição “de”
introduz a noção de “causa”. Ou seja, o “imenso” é o agente que dá existência ao
“deslumbrar-se”.
A construção poética gera ambiguidades, as quais potencializam ainda mais o
iluminar dessa manhã. A começar pelo verbo reflexivo que gera o movimento duplo do
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Foram usados os poemas de Ungaretti traduzidos por Haroldo de Campos para as análises elaboradas
neste trabalho, presentes na obra
Daquela estrela à outra
. Trata-se dos poemas: “Manhã”, p. 57;
“Recordação Africana”, p.31; “Rosas em chamas”, p.67 e “Sol-Pôr”, p.39.
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Santa Maria La Longa il 26 gennaio 1917// M’illumino/ d’immenso, em
A Alegria
, edição bilíngue, p.
126.
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Diz Lucia Wataghin que Ungaretti “atribui à Poesia a capacidade de iluminar, intuitivamente e por
poucos instantes, o mistério, cujo segredo considera impenetrável” a nós, seres humanos, em
Razões de
uma Poesia
, p.11.
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Nas palavras de Haroldo de Campos em seu ensaio “Ungaretti: o efeito de fratura abissal”, p. 187.
presente na obra
Daquela estrela à outra
.