A verdade anunciada pelo sujeito cínico é uma verdade relacionada ao cuidado de
si, de sua subjetividade, que pode desencadear, no leitor, uma reflexão acerca de sua
própria vida, de seu cuidado, de uma possibilidade outra. A verdade enunciada sobre si
mesmo, longe de ensinar algo a alguém, ocorre o contrário, o sujeito poético de
Longe
da aldeia
, tal qual a ideia de sujeito cínico, articulada por Foucault, se expõe e através
desse ato, desse enfrentamento, quer cuidar de si e dos outros, quer atingi-los de alguma
maneira, mas como atingir alguém na contemporaneidade, tempo em que tudo flui
rapidamente e há o predomínio do individualismo? Em “Cidade dos desaparecidos”,
poema que fecha o livro, um desassossego, um questionamento acerca de sua própria
vida é exposto pelo sujeito poético, que retorna ao seu lar e, tal como pontuou Foucault,
necessita dizer a verdade:
Muitas vezes não amei Lisboa,
não soube amá-la ao anoitecer
dos dias úteis, quando era gasta,
parada e suja, e nos autocarros
quase vazios viajava de luz acesa
a entranhada tristeza do mundo
que foi a minha primeira e mais
precoce intuição. Grande cidade
dos desaparecidos, eu não tive
tantas vezes a saúde de gostar
dos teus pequenos jardins
abandonados. Quando nos cafés
já iam desligando as máquinas
e do outro lado da linha ninguém
voltava jamais a responder
como eu queria, quantas vezes
não pude achar o sítio e o sossego
para esquecer e dormir? Mesmo assim,
eu não te fiz justiça, Lisboa, quando
me queixei de ti: eu não era exemplo,
eu sempre estranhei um pouco a cama
da vida.
(CABRAL, 2005, p. 51)
Foi preciso o sujeito poético sair de Lisboa, deslocar-se a terras outras e tornar-se
estrangeiro, para que se atentasse aos detalhes mais corriqueiros da capital portuguesa
então “desaparecida”. A descrição de episódios “banais” como a conservação das ruas,
“[...] quando era gasta,/ parada e suja”, o movimento dos carros, que em português
europeu são nomeados como “autocarros”, os “pequenos jardins” e os cafés deixam de
se configurar em detalhes apagados, desaparecidos, para, aos olhos daquele que observa
e direciona, para esse espaço urbano, a sua subjetividade, e passassem a ser elementos
fundamentais para a modificação do entendimento sobre a sua cidade natal. Assim é o