sujeito poético contemporâneo pode percorrê-lo ao mesmo tempo em que registra suas
vivências, suas experiências, na forma de poemas que poderiam ser um diário de
viagens. O verso deslocado do poema de abertura do livro, em que se configura em uma
estrofe desenhada ao centro da sua estrutura ímpar, confessa ao leitor esse sujeito
poético viajante, que se declara estrangeiro:
Eu queria o movimento, a inútil beleza
de tudo. Terraços sobre ruas estrangeiras,
solos de trompete.
In the evening when
the day is through
. Não era o amor, era
uma alegria mais complicada: nesse ano
eu regressei três vezes ao coração da Inglaterra
e entre os velhos monumentos do condado,
a que a distinção da morte dava um delicado lustro,
não era certo que encontrasse o que procurava.
Mas às vezes pressentia o pouco que valiam
as palavras e tudo o que não fosse estar ali
naquele momento, iludido e sustentado
pela luz de uma canção em terras estranhas.
(CABRAL, 2005, p. 9. Grifos meus)
Curioso pensar que o tema da viagem, uma aparente obsessão na literatura
portuguesa, é reiterado nas recentes manifestações poéticas singularizadas por uma
“temática facilmente integrável pelo leitor no seu mundo atual” (MARTELO, 2007, p.
47). Esse primeiro poema é construído com uma linguagem partilhada ao seu leitor, por
isso adjetivo-a como “prosaica”, próxima à prosa, pois narra, um fato que testemunha
uma nova viagem à Inglaterra, contrariando umas das máximas de Octavio Paz que
distingue poesia e prosa da seguinte maneira:
Enquanto o poema se apresenta como uma ordem fechada, a prosa tende a se
manifestar como uma construção aberta e linear. Valéry comparou a prosa
com a marcha e a poesia com a dança. Narrativa ou discurso, história ou
demonstração, a prosa é um desfile, uma verdadeira teoria de idéias ou fatos.
A figura geométrica que simboliza a prosa é a linha: reta, sinuosa, espiralada,
ziguezagueante, mas sempre para diante e com uma meta precisa. Daí que os
arquétipos da prosa sejam o discurso e a narrativa, a especulação e a história.
O poema, pelo contrário, apresenta-se como um círculo ou uma esfera − algo
que se fecha sobre si mesmo, universo auto-suficiente no qual o fim também
é um princípio que volta, se repete e se recria. (PAZ, 1992, p. 83-84)
O gesto de relatar a viagem em um discurso próximo à prosa, para mim,
evidencia um desejo de transgressão do que se compreende como adequado à linguagem
poética no que se refere ao estatuto de composição comentado no início de meu texto. A