tradição crítica vinculada à convenção versificatória, que julga como “bom” o poema
cujos versos obedecem a receitas e a esquemas métricos vem sendo questionada em
poemas como os que integram esse livro. Por esse motivo, acredito que tal gesto seja
um traço cínico, pois, conforme Foucault, “há, em toda forma de arte uma espécie de
permanente cinismo em relação a toda a arte adquirida” (FOUCAULT, 2011, p. 165).
Traço esse materializado na estrutura de
Longe da aldeia
, livro constituído poemas
compostos por versos livres que exploram “pequenos acontecimentos quotidianos,
banais, sem grandeza aparente, procurando situar a poesia como uma epifania na vida”
(MARTELO, 2007, p. 48) e que constroem o testemunho de uma viagem transgressora
sem assumir o compromisso épico com uma nação como aquele assumido pelo poema
camoniano.
O ato de leitura do viés transgressor no aspecto prosaico do discurso poético
relaciona-se com a fala de Michel Foucault quando ele diz que a vida do cínico não é
dissimulada, pois, em sua
bíos
, não há segredo e tudo é exposição. A naturalidade dessa
vida torna-se, àqueles que vivem segundo o
nómos
,
um escândalo ou, nos dizeres do
filósofo: “se torna [sic] a manifestação escandalosa da vida outra” (FOUCAULT, 2011,
p. 236). Pensar em uma “vida outra” como uma possibilidade de mudar o mundo a
partir da alteridade, da vivência do outro, do cínico, daquele que se quer à margem da
lei e das convenções, faz-me pensar na importante função que a arte poderia ter,
socialmente, como desencadeador de uma atitude revolucionária, contrária a algo e que
instaura o novo, uma possibilidade de vida outra.
Interessante também refletir acerca do seguinte trecho da “Aula de 21 de março
de 1984” quando o autor pontua que “o cinismo é portanto essa espécie de careta que a
filosofia faz para si mesma, esse
espelho quebrado
em que o filósofo é ao mesmo tempo
chamado a se ver e a não se reconhecer” (FOUCAULT, 2011, p. 238, Grifos meus).
Diante desse mesmo espelho, parecem estar muitos dos poetas que obedecem em suas
criações o
nómos
poético representado pela teoria do verso (Cf. AMORIM DE
CARVALHO, 1987). Como chocar, transgredir e promover o escândalo, no discurso
poético, se não pela subversão de sua linguagem como algo já estabilizado? Parece-me
que essa nova tendência está vinculada a uma possibilidade outra de fazer poesia,
escrever poemas e atingir seus leitores seja no escândalo, pensando nas reflexões
foucaultianos voltadas ao cinismo, seja no reconhecimento do
ethos
comum ao leitor
contemporâneo: “extravasar a poesia dos limites do poema, e na base da produção de
efeitos de reconhecimento de um mundo habitual por parte do leitor” (MARTELO,
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