consciência do eu lírico diante da escrita e da finitude da vida, mas vêm de longa data,
desde 1983, ano do suicídio de Ana Cristina César. Dois anos após a tragédia o poeta
publica
3x4
(1985), que é um livro com exatos cem poemas, como perfis do eu lírico
fotografado junto com a tessitura do Rio de Janeiro, como se este quisesse desaparecer
em meio a paisagem. E três anos depois, o poeta lança a coletânea
De cor
(1988), que
muda o jogo poético das revelações polaróides de
3x4
, e tem como temática central a
experiência nua e crua da morte de Ana Cristina César.
Nesse momento surge na poesia de Armando o que chamamos de maldição Ana
C. É uma maldição porque a morte incorpora profundamente na poesia de Armando
Freitas Filho, mas essa presença e influência da poeta morta parece se intensificar e se
revelar mais nos versos quando o eu lírico se volta para a própria poesia e reescreve seu
trajeto. Assim, temos uma reescrita que não apenas fornece informações sobre
referências literárias, mas também referências biográficas, subjetivas e particulares do
autor. Essa condição é assumida com clareza no poema
Emulação
, do livro
Raro mar
:
Emulação
Sua morte empurrou minha mão.
Sua mão pesa sobre a minha
e a faz escrever com ela
não como luva de outra pele
mas como enxerto de outra carne
emperrada, como a vida dela
que parou, e vai apodrecendo
dentro da minha, suando suor igual.
(FREITAS FILHO, 2006, p. 21).
Nesse poema parece que a força cabralina, de procedência rigorosa com os
versos, sai de cena totalmente para ceder lugar a uma força obscura que acompanha
Armando Freitas Filho a mais de duas décadas. A força da presença/ausência de Ana C.
parece se instaurar definitivamente na poesia do autor nesse momento, e com essa força,
“como enxerto de outra carne”, o poeta vai construindo sua obra em nova dualidade,
agora com uma presença morta e de morte, “suando suor igual”, como dois em um só
nos seus versos.
João Cabral, então, após a consolidação da obra poética de Armando Freitas
Filho, parece ser negado. Os versos rigorosamente trabalhados dão lugar para uma
fluidez obscura dessa escrita; uma força de constante perplexidade diante do que “está
no ar, eminente”. Mas existe também outro lado da condição poética de A.F.F. que
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