lírico primordial por meio dos versos em reescrita; escrevendo sobre o já escrito. É por
isso que “nesse cenário, a imagem de apoio não será: / a de remos idênticos, n’água ao
mesmo tempo/ cada qual de um lado, copiando-se/ em andamento e cadência, paralelos/
(ou simultâneos) com igual reflexo”. Existe uma diferença entre os dois eu líricos, ou
seja, o eu lírico revisor, diferente do eu lírico primordial que se apresenta nos doze
livros de poemas antes da reunião
Máquina de escrever
, possui a consciência de si
próprio como agente criador, e não apenas o instinto criativo de antes, e sinaliza,
portanto, a presença da consciência interior nesse momento da poesia de A.F.F. Esse
ponto nos parece subjetivamente herdado, ou apropriado, de Clarice Lispector, olhando
pela sutil menção que é a epígrafe dela na reunião
Máquina de escrever:
Assim, ao completar sua maioridade poética, com seus quarenta anos de escrita,
surge a reescrita em A.F.F., que, como um diálogo interior – característica fortemente
marcada na literatura de Clarice Lispector – se torna complementação da obra produzida
até então. As referências começam a aparecer nos poemas, e não mais somente em
epígrafes, como aconteceu em praticamente todos os livros de poesia do autor até então.
As referências na reescrita agora aparecem como o próprio tema da maioria dos
poemas. No poema
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, por exemplo, a máquina de escrever é comparada com outras
“máquinas” literárias que lhe influenciaram. A declaração se torna explícita, e o nome
de Drummond e Clarice aparecem como introdução do poema,
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pensando em Drummond e Clarice
A máquina de um, a outra
se sentindo uma, e a minha:
mecânica, não oferecida
tampouco entranhada, enferruja
sem metafísica ou metáfora
perdendo força a cada dia
não dizendo o que durante
tanto tempo prometeu – ilusão não era
pois o mundo palpita para todos.
O que faltou foi velocidade
Na datilografia, acurácia, para
captar o que sub-reptício se afastava
e mesmo se gritante, os dedos gagos
não conseguiam, nas teclas, articular
as palavras, o que se exprimia, próximo
mas sempre além de todo mecanismo
que embora igual aos outros, desistia.
29 I 2002
(FREITAS FILHO, Armando. 2003d, p. 47).
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