sentido consagrado por Ovídio” (Idem) e, por isso, a “permutabilidade entre as formas da
natureza [...], as formas do corpo e as formas de arte, numa espécie de totalidade orgânica em
permanente metamorfose, dá a ler uma concepção do mundo, e da realidade, como um
incessante
devir
, em que a natureza é entendida, predominantemente, como um facto
cultural.” (LOURENÇO, 1998, p. 201).
A
Ante-metamorfose
por estar inserida em
Fidelidade
traz consigo esta noção, que
Carlos identifica (1999, p. 179) como sendo da “esfera intersubjectiva”. Neste caso, a relação
que se estabelece entre o sujeito lírico e aquele homem primordial. A fidelidade encontra-se
numa postura poética irmanada com uma postura crítica. Se poetizar é quase sinônimo de
indagar, o “lirismo especulativo” (SENA, 1988), resultado da imaginação acrescida à dúvida,
assume uma função: promover a metamorfose dos corpos. Assim, a
Ante-metamorfose
cuida
de retomar, ou ainda, fazer reviver todo um passado cultural entrevisto no corpo do primeiro
Homem.
Sobre o “Ensaio de uma tipologia literária”
A carreira de Jorge de Sena como professor universitário inicia-se em 1959, na recém-
fundada Faculdade de Filosofia de Assis, marcando a conversão profissional do engenheiro
em catedrático e, também o exílio de Sena no Brasil. O “Ensaio sobre uma tipologia literária”
é, a princípio, uma aula ministrada para o curso
A criação poética e a crítica de poesia
3
,
realizada naquela faculdade, durante dois meses ― de 9 de outubro a 13 de novembro. Quem
nos informa a respeito do caráter didático do ensaio é o próprio Sena, na primeira, das
quarenta e duas notas de rodapé que compõem o texto. E essa quantidade de notas, para muito
além de significarem, apenas, um tipo de erudição, ou um preciosismo sem medidas, são uma
clara tentativa de criação de uma coerência interna, que responde a um pensamento dialético.
No ano seguinte, Sena pode apresentar o então, “Ensaio de uma tipologia literária ―
teoria e análise de atitudes literárias”, no I Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária;
que contou com a presença de Sartre e Simone de Beauvoir e foi realizado pela Universidade
do Recife. Formavam a delegação portuguesa participante do Congresso, além de Sena,
Adolfo Casais Monteiro, Maria de Lourdes Belchior Pontes e José Cardoso Pires. Apesar de
não constar dos Anais do Congresso, uma vez que já havia sido publicado na
Revista de
Letras
, da Faculdade de Filosofia de Assis, o ensaio contou com certa acolhida, quando de sua
3
Interessante notar como a designação do curso ―
A criação poética e a crítica de poesia
― já aponta para uma
comunicação entre poesia e crítica.