METAMORFOSE
Ao pé dos cardos sobre a areia fina
que o vento a pouco e pouco amontoara
contra seu corpo (mal se distinguia
tal como as plantas entre a areia arfando)
um deus dormia. Há quanto tempo? Há quanto?
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E um deus ou deusa? Quantos sóis e chuvas,
quantos luares nas águas ou nas nuvens,
tisnado haviam essa pele tão lisa
em que a penugem tinha areia esparsa?
Negros cabelos se espalhavam onde
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nos braços recruzados se escondia o rosto.
E os olhos? Abertos ou fechados? Verdes ou castanhos
no breve espaço em que o seu bafo ardia?
Mas respirava? Ou só uma luz difusa
se demorava no seu dorso ondeante
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que de tão nu e antigo se vestia
da confiada ausência em que dormia?
Mas dormiria? As pernas estendidas,
com um pé sobre o outro pé e os calcanhares
um pouco soerguidos na lembrança de asas:
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as nádegas suaves, as espáduas curvas
e na tão leve sombra das axilas
adivinhados pelos... Deus ou deusa?
Há quanto tempo ali dormia? Há quanto?
Ou não dormia? Ou não estaria ali?
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Ao pé dos cardos, junto à solidão
que quase lhe tocava do areal imenso,
do imenso mundo, e as águas sussurrando ―
― ou não estaria ali?... E um deus ou deusa?
Imagem, só lembrança, aspiração?
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De perto ou longe não se distinguia.
6/2/1958
(SENA, 1988, p. 37-38)
Conforme já referido, há de se levar em conta o caráter de anterioridade que este
poema carreia na consideração da metamorfose como um processo. Assim, dos 31 versos que
compõem o poema, 11 deles são compostos por perguntas. Apesar de não parecer um número
suficiente, já que não corresponde nem a metade dos versos, a concentração de 21 perguntas,
nesses onze versos, faz com que o poema esteja pautado por um tom indagativo. Disso,
podemos deduzir que o antecedente necessário aos processos metamórficos é uma postura
perscrutadora, ou seja, a dúvida marca a posição desse sujeito lírico em relação à realidade
que o cerca e compõe, com isso, o passo inicial das metamorfoses que seguem. Mas não só a