A comparação entre as máquinas precursoras e a máquina de poesia de A.F.F. é
pífia. A máquina de Drummond é aquela “máquina do mundo”, da vida de todos,
enquanto que a de Clarice é a maqui interior, totalmente subjetiva. O eu lírico revisor,
então, reduz as capacidades de sua máquina diante das que lhe precedem, e ironiza sua
incapacidade negando a metafísica de sua poesia. A condição do corpo como extensão
dessa máquina é, talvez, o fator que pesa para essa comparação de diminuição de si
próprio, pois o argumento é que “o que faltou foi velocidade/ na datilografia, acurácia
para/ captar o que sub-reptício se afastava”. O corpo é falho diante da operação da
máquina, e por isso não alcança as vozes que ressoam em “sub-reptício”.
Eduardo Losso (2002), que trabalhou a inconstância e sublimidade da poética de
A.F.F., define essa poesia como uma “travessia cega de um desejo incurável”. Nesse
estudo, a maior referência poética que aparece é Carlos Drummond de Andrade. O
desejo incurável de A.F.F., segundo o trabalho de Losso, parece ser o de tocar a
essência da poesia daquele que ele venera como um deus diante da produção de sua
própria poesia, ou seja, tocar a essência da poesia de Carlos Drummond.
Essa influência que marca a poesia de Armando Freitas Filho em seu
desenvolvimento literário, que é nosso objetivo demonstrar nesta leitura, e que marcará
o desfecho da além-maturidade dessa poética, não se apresenta como simples referência,
ou simples modelo exemplar a se seguir na para o autor. A metapoesia não é apenas um
mero jogo linguístico. Para A.F.F., que iniciou suas publicações com o livro de
sugestivo título –
Palavra
–, e com epígrafe de Drummond
4
, existe uma cumplicidade
ou até mesmo disputa poeticamente subjetiva com o “Pai inalcançável” (FREITAS
FILHO, 2003d, p. 59) que é para ele Carlos Drummond de Andrade.
Nessa dualidade de forças primordiais, uma relação subjetiva de influências e
negações se intensifica e vários outros nomes também ressoam e destoam entre o
eu-a-
se-fazer
e o
outro-a-se-medir
da poesia de A.F.F. Podemos afirmar que é uma
perspectiva de criação alternativa que o poeta empreende na revisão de sua obra. Essa
perspectiva é alternativa em relação às obras que lhe influenciam – das afirmativas que
se estendem de Drummond à Ana Cristina César, em detrimento das negações,
principalmente aos Concretistas. Mas devemos entender que A.F.F. mostra, na poesia
de
Palavra
, por exemplo, que ali se inicia um trabalho consciente de sua condição
4
“Palavra, palavra/ (digo exasperado),/ se me desafias,/ aceito o combate.
Carlos Drummond de
Andrade”
. (FREITAS FILHO, 2003a, p. 79. Itálico no original).