surpreso vão denotar nesse momento poético de A.F.F. mais do que somente a tessitura
da cidade que lhe serve como paisagem e tema para seus poemas. A perplexidade de
Raro mar
é a perplexidade de uma consciência poética, como já visto no título do
poema, que muda a receita da poesia do autor. Nesse poema, a consciência de si
ultrapassa o ego do eu lírico e atinge dimensões intertextuais, como se vê no poema
acima, na menção ao “feijão a João”.
João Cabral era influência predominante na poética de A.F.F. Desde os
primeiros livros do autor carioca a exatidão e a economia de palavras se aproximavam
quase confundivelmente com a estética cabralina, como no livro
Marca registra
(1970
[2003b]), em que todos os poemas estão dispostos sobre uma mesma quantidade de
palavras e versos. Mas no momento da poesia de
Raro mar
, a consciência do clichê e do
modismo poético afasta o eu lírico revisor de sua conduta rigorosa com a palavra. Nesse
momento, “da linguagem, o que se flutua”, “é o que ser quer aqui, escrevível”. Nesse
momento não importa o rigor, e sim “o conserto das palavras”, o som ruidoso da poesia
se fazendo na máquina poética, plural e com pressa, ao contrário da moda do “feijão a
João”, seletiva e discreta.
Armando Freitas Filho revela nesse poema um outro lado de sua escrita. Um
lado que nega o que antes era aderido em segredo, sem menções. Ora, João Cabral,
depois de Drummond, pode ser visto como uma das presenças mais constante na poesia
do autor antes da
Máquina de escrever
. Mas é uma presença oculta e moderadora, de
função muito estética, que, num dado momento, A.F.F., já maduro, decide negar,
mudando a “receita” da produção de sua poesia.
Outro fator a se considerar é o truque poético que, como elemento visível,
também é alterado nessa outra receita de poesia. “Em vez de pedra quebra-dente”, como
é no caso da poesia de João Cabral, em A.F.F. assume-se o jogo do acaso como
condição de escrita e de chamariz para o leitor. Os versos não têm uma pontuação lógica
e, por isso, o leitor deve se manter atento na leitura. Nesse momento, o truque poético
do autor se dá “como isca, como risco, a ameaça/ do que está no ar, iminente”.
Temos assim, então, uma reviravolta e uma revelação. O que está no ar, que é
eminente, além das surpresas da quebra dos versos, parece ser uma consciência de
finitude da vida; ou seja, uma consciência de morte. Morte da poesia, ou morte de quem
faz poesia, que está no ar, “eminente”. Essa tendência não parece ser fruto apenas da
1...,241,242,243,244,245,246,247,248,249,250 252,253,254,255,256,257,258,259,260,261,...445