Página 191 - Anais do IV Seminário Leituras da Modernidade: entornos da poesia

visita prematura da “mestra que jamais engana”; Cecília Meireles, por sua vez, perdeu
os pais e os irmãos prematuramente e, mais tarde, após a babá Pedrina e a estimada avó
que a criou, perdeu o primeiro marido. A autora de Mar Absoluto falará de sua
experiência com a morte:
Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos
contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram desde
pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi
essas relações entre o Efêmero e o Eterno que, para outros, constituem
aprendizagem dolorosa e, por vezes, cheia de violência (MEIRELES,
1994, p.80).
Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem
negativas, e foram sempre positivas pra mim: silêncio e solidão. Essa
foi sempre a área da minha vida (Idem, p. 81-82).
Notamos, assim, um apaziguamento para com a morte que se constitui como
algo assustador, para dizer o mínimo, para a maioria das pessoas. Cecília, para nós,
busca o respaldo no pensamento indiano, nas filosofias hinduísta e budista, para a
compreensão do efêmero e do eterno, ou de um padrão cíclico da vida, no qual a morte
não é um fim em si, mas uma passagem, um passo para outra circunstância de vida:
[...]
− tudo é um natural armar e desarmar de andaimes
entre tempos vagarosos,
sonhando arquiteturas.
(“Guerra”)
Neste poema, o eu-lírico apresenta uma noção recorrente na poesia ceciliana de
que o mundo fenomenal é transitório e subjugado por um sistema temporal cíclico, ou
seja, há um contínuo transformar-se das coisas e, nesse processo, nada se extingue, mas
permanece com outra aparência, estrutura, ou realidade. Isso é reiterado no poema
“Tempo de Gisèle”, no qual se apresenta novamente uma noção cíclica de tempo e de
continuidade de algo estrutural, básico, subjacente às coisas do mundo:
[...]
O tempo de Gisèle não pára, mas não se move.
Essa é a incoerência do tempo de Gisèle:
– vai sendo sempre outra coisa, sobre uma coisa eterna e invariável.
(“Tempo de Gisèle”)