Xácaras, trovas já cantei,
Vendo
as faces femininas,
Encantadoras e meigas,
Cativantes, purpurinas,
Hoje
vendo
, como cego,
Minhas canções peregrinas. (apud CAMPOS, 1978, p. 261)
Com estes e outros exemplos, Augusto de Campos prova que a poesia popular
não se opõe ao formalismo da poesia culta. Ainda afirma que não há confronto entre a
poesia popular e a de vanguarda ou “de invenção”, estabelecendo, pelo contrário,
muitos pontos de contato. Em defesa da “capacidade latente ou patente do povo para
entender ou fazer arte” (CAMPOS, 1978, p. 262), encerra o artigo criticando as
tentativas artificiais de se refazer a arte popular em nome de uma ideologia. Ao
contrário de se render ao perigo de uma arte “pseudo-proletária” (a expressão é de
Trótski), “é preciso reconhecer a garra da invenção na arte autenticamente popular,
muito menos ingênua, muito mais elaborada e inteligente do que alguns querem fazer
crer” (CAMPOS, 1978, p. 262).
3. A lição de Mário de Andrade
Ainda que não seja necessário justificar os argumentos de Augusto de Campos,
uma questão implícita em seu ensaio não foi devidamente explorada, e por isso achamos
necessário comentar aqui um pouco mais sobre as “falsas distâncias” entre a poesia
popular e a elaboração “urbana”. A questão diz respeito aos limites e interseções entre
popular e erudito, bem como às funções desse diálogo.
Se Roger Chartier (1995) afirma que “a cultura popular é uma categoria
erudita”, sintetizando de modo prático o fato de que são os segmentos letrados que
explicam, conceituam, caracterizam, delimitam e nomeiam as práticas e formas com as
quais os próprios produtores não se preocupam no aspecto de designação, também é
certo dizer, à altura dos anos de 1990, que as propostas teóricas dispostas a explicar a
cultura popular não saíram de linhas de interpretação que presumem: o modelo de
cultura popular independente de tudo, um sistema “simbólico coerente e autônomo, que
funciona segundo uma lógica absolutamente alheia e irredutível à da cultura letrada” ou
o modelo que leva em conta as relações de dominação cultural, definindo a cultura
popular pelo que lhe falta, inclusive pela ilegitimidade cultural, tomando-a “em suas