Manuel Bandeira, por sua vez, por raras vezes norteado pelo imaginário judaico-
cristão ocidental, parece ver a morte como fim do corpo, despojamento da matéria e dos
sentidos, com a ascensão da alma, como em “Programa par depois da minha morte”:
... esta outra vida de aquém-tumulo.
Guimarães Rosa
Depois de morto, quando eu chegar ao outro mundo,
Primeiro quererei beijar meus pais, meus irmãos, meus avós, meus tios, meus primos.
Depois irei abraçar longamente uns amigos – Vasconcelos, Ovalle, Mário...
Gostaria ainda de me avistar com o santo Francisco de Assis.
Mas quem sou eu? Não mereço.
Isto feito, me abismarei na contemplação de Deus e de sua glória,
Esquecido para sempre de todas as delícias, dores, perplexidades
Desta outra vida de aquém-túmulo.
Aqui, o eu-lírico adere ao ideário judaico-cristão ocidental da vida após a morte,
com a salvação da alma que adentra o reino divino, reencontrando seus parentes já
falecidos e tendo a visão do demiurgo supremo. Trata-se de uma descrição do ideal para
depois desta “vida de aquém-túmulo”: o fim das dores e perplexidades e o esquecimento
desta vida de desventura, mesmo de suas delícias.
Por outro lado, aparentemente ora levado pelo ceticismo, ora pelo hedonismo,
Bandeira apresentará a morte como fim categórico da vida: aniquilamento do corpo,
extinção da alma, da memória, da história, término do sofrimento, mas também do
prazer; ponto final. Pode-se ver esta atitude perante a morte em “Morte absoluta”:
Morrer,
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.
Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão – felizes! – num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.
Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
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