além-túmulo combinado ao hedonismo em relação à vida. Cecília, pautando-se no
pensamento indiano, de cunho hinduísta e budista, apresenta a noção de tempo cíclico e
a continuidade ininterrupta das coisas, perante a qual, a morte nada mais é do que uma
passagem para outra circunstância, outra forma de existência.
Em relação aos poemas “Boi morto” de Bandeira e “Os três bois” de Cecília,
primeiramente, ambos apresentam a perplexidade subjetiva frente a uma situação
conflituosa. No primeiro, trata-se de um indivíduo que, em crise, a expressa com a
analogia de alguém envolto em uma enchente, em um caos, cuja companhia
(personificação do problema ou de sua incapacidade de salvar-se) é um imenso boi
morto. No segundo, o conflito se dá perante um evento factual, o assassinato de três
bois para um churrasco, que motiva a comparação entre duas culturas, a oriental e a
ocidental, e suas contrárias práticas quanto à vida e à morte, propondo questões
pendulares entre o real e o ideal, o belo e o grotesco, o sagrado e o profano.
Ambos partem de uma situação violenta, feroz, terrível, em oposição à esperada
normalidade cotidiana e dissolvem suas tensões com a apreensão da impossibilidade de
agência pessoal de mudança, rendendo-se à realidade das coisas, tendo apenas a palavra
como meio e fim de atuação.
Além disso, ambos acionam a noção de desencanto pela vida e de
desencantamento do mundo, seja, em “Boi morto”, por deixar sugerido que a alma é um
problema para o corpo e que a harmonização deste com a matéria, que está à sua volta,
depende do desprendimento da alma, de sua extinção, seja, como em “Os três bois”,
que, pela dolorosa constatação de que, uma vez culturalmente consentida, uma
violência, como a profanação dos animais, é consensual a um grupo social, nada pode
ser feito, pois, “a humanidade é esta...”.
A desilusão presente em ambos os poemas problematiza um processo conceitual
corrente na sociedade moderna/contemporânea ocidental, qual seja, a da reificação dos
seres. Por um lado, o eu-lírico bandeireano compreende que seu apaziguamento
depende de ser matéria inorgânica, ser também boi morto. Por outro lado, além a
reificação dos animais, considerados produtos para a sociedade atual, os humanos
“vorazes” (famintos e destrutivos), para saciar sua fome culturalmente construída, agem