Página 209 - Anais do IV Seminário Leituras da Modernidade: entornos da poesia

Com relação aos traços autobiográficos, vale lembrar que Philippe LEJEUNE
(1975) define autobiografia como uma:
Narrativa retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de sua própria
existência, acentuando a sua vida individual, em particular a história de sua
personalidade. (tradução minha) 5
O caráter eminentemente autobiográfico de Indez e Ciganos ficará ainda mais
claro após a publicação de algumas obras subsequentes, como Por parte de pai (1995)6
lançado no Brasil pela Editora RHJ, e Ler, escrever e fazer conta de cabeça (1996),
lançado pela Editora Miguilim.
Por parte de pai, narrado em primeira pessoa, começa com o menino-narrador-
personagem descrevendo seu avô, o Seu Joaquim Queirós, um pacato mineiro que se
“aposentara” depois de tirar a sorte grande na loteria esportiva e passava os dias
escrevendo nas paredes de sua casa uma espécie de diário da cidade em que vivia,
Pitangui – MG, ou a espiar pela janela a comprida Rua da Paciência, onde morava com
a mulher e o neto. Ao passar em frente à janela da casa, os conterrâneos o
cumprimentavam: - Boa tarde, Seu Queiroz. Ao que o velho respondia, de forma jocosa
e rimando: - Tem dó de nós! Tem dó de nós!
Ler, escrever e fazer conta de cabeça avança nas rememorações queirosianas,
reconstruindo, uma vez mais, o universo ao mesmo tempo memorialístico e fantasioso
do menino-narrador-personagem. Como aponta o título, dessa vez o narrador volta-se
bastante para suas memórias escolares, para o seu aprendizado de leitura e para as
práticas de escrita:
Por definição minha, perseguindo respostas, eu desconfiava ser a escola um
lugar de muito respeito. Era preciso ter as unhas limpas e aparadas, cabelo
penteado, caderno caprichado, dentro do embornal, uniforme lavado – calça
azu-marinho e camisa de fustão branco – e passado com ferro de brasa,
goma de polvilho rala na gola, para não arranhar o pescoço.
Em 2004, Bartolomeu Campos de Queirós publica o seu livro O olho de vidro do
meu avô, pela editora Moderna. Pouco tempo depois de publicada a obra, publiquei uma
5 "Récit rétrospectif en prose qu'une personne réelle fait de sa propre existence, lorsqu'elle met l'accent sur
sa vie individuelle, en particulier sur l'histoire de sa personnalité." LEJEUNE, s/d. p. 14.
6 Por parte de pai foi publicado no México pelo Fondo de Cultura Económica, uma das maiores e mais
prestigiadas editoras do mundo, que adquiriu os direitos de edição das obras de Bartolomeu Queirós para
distribuição nos países de língua espanhola. (Cf. Márcio Sampaio, Caderno Pensar, Estado de Minas , 25
de outubro de 1997, p. 3.)