com o corpo. Note-se a estrutura linguística do verso: o costume, a expectativa, seria
por ouvir “atônita para sempre”, entretanto, encontra-se “atônita para jamais”; inversão
que salta aos olhos do leitor e, para nós, assevera a ideia da liberdade alcançada ao se
separar do corpo, pois, agora, jamais se cairá atônita, já que o problema (o corpo) não
está mais presente.
Por sua vez, o corpo, livre do peso da alma, se harmoniza ao caos e, por
contiguidade, se harmoniza ao quimérico “boi morto”. A tensão estabelecida pela
situação violenta se dissolve pela aproximação dos semelhantes: ambos são corpos,
mortos, “sem forma ou sentido/Ou significado. O que foi/Ninguém sabe. Agora é boi
morto”. A exigência imposta pela presença da alma por significação agora está abolida e
a carne se compactua com seus análogos: se reduz ao inorgânico, ao meramente
material.
Para nós, o que se assemelha a uma tensão, em uma rápida leitura, pode se
configurar, de fato, com a harmonização dos iguais pela eliminação dos contrários –
lembra-nos novamente a comunhão dos corpos, “que se entendem”, no poema “A arte
de amar”, supracitado. Ademais, a harmonia se daria pela rendição à circunstância ou
condição sobre a qual não se tem controle: como ser, ou viver como, alma em um
corpo? No turbilhão da vida cotidiana? No redemoinho das sensações e dos
sentimentos? A solução não seria ser só um: só corpo ou só alma?
O conflito subjetivo introduzido neste poema parece, assim, se resolver um vez
que o eu-lírico fez sua escolha, vai morto, como o boi, e se liberta da alma, por sua vez,
“atônita para jamais”.
Diferentemente do episódio imaginário, reflexivo, do poema “Boi morto”, em
“Os três bois”, Cecília nos apresenta um relato de um evento deveras ocorrido, datado
ao final, documentado: “Churrasco no Km 47; 7.5.1944”. Aqui também os bois estão
mortos e igualmente se impõem ao eu-lírico enormes e passivos à situação que lhes
engloba, causando uma tensão, uma perplexidade, neste caso, entre o sagrado e o
profano, no embate entre espécies, culturas, valores éticos:
Num domingo de sol, mataram os três bois,
e assaram-nos às postas, fincados em espetos.
A fumaça toldava o campo e o céu de crepes pretos.
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