reminiscência do poema, não menos controverso para a crítica, “No meio do caminho”,
de Drummond. Não detalharemos a controversa aqui, mas daremos voz a Bandeira
quanto a ela, em carta a João Cabral:
[...] escrevi a minha última produção – “Boi morto”, coisa que está
ameaçando desbancar a pedra do Carlos como escândalo nacional da
poesia. Só que ao passo que os meus velhos confrades da Academia e
fora dela a consideram insensata, alguns novos a julgam vulgar, e os
comunistas (meus inimigos agora, vivem a injuriar-me) coisa que é
bem “a coincidência podre e contaminante dos letrados que tentam
ainda dizer-se marginais, como árvores à beira da enchente”. (MELO
NETO, 2001, p.131 – apud FLORES, 2011, p. 3)
Afora as polêmicas o que se destaca entre os poemas de Bandeira e Drummond
seria:
[...] a expressão de certa perplexidade subjetiva e do sentimento de
impotência, produzindo certa paralisia diante de um obstáculo (a
pedra) ou um movimento de abandonar-se à fúria dos elementos para
reencontrar certa “harmonia” na redução do Eu ao meramente
material, ao inorgânico (o boi morto). (FLORES, 2011, p. 3)
O inusitado encontro entre o eu-lírico e o quimérico “boi morto”, se dá em
situação violenta:
[...] a intensidade, a agressividade, a ferocidade do evento rompe a
normalidade cotidiana e vai se projetar profundamente na
subjetividade lírica: uma cena ímpar, cuja violência aterroriza e atrai,
ambivalência que é a fonte da força, do fascínio e do incômodo que o
poema mobiliza. (FLORES, 2011, p. 4)
Em nossa leitura, o encontro, apenas imaginado, pois “
como
em turvas águas de
enchente”, ou seja, metaforicamente, introduz um caos subjetivo, mas não menos
significativo: se nos voltarmos a uma perspectiva mítica, arquetípica (já que só
imaginada), nos parece o caos em águas da pré-criação, da pré-cosmogonia, do pré-
parto. A tensão, entretanto, se dá de imediato, pois não são as águas causais calmas da
mitologia universal, mas as “águas turvas de enchente”, as baças e violenta águas que
destroem, ao invés de criar.
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