Eles eram três bois de linhagem hindu,
imensos de silêncio e de chifres serenos,
com o céu às costas, perdidos nos enredos terrenos.
Não lhes douraram os chifres, não lhes puseram flores
na testa; não lhes cantaram: não foi rito, foi ato
sôfrego, de consentido assassinato.
Num domingo de sol, mataram os três bois,
porque era preciso comer, porque era preciso haver festa,
porque era preciso ter carne, porque a humanidade é esta...
Mataram os três bois, num domingo de sol.
Por entre as árvores, por entre as águas e as borboletas,
viram subir seu sangue, desenrolado em fumaças pretas.
Os homens estenderam para a carne vorazes mãos.
E a terra e o céu, de braço dado, e pensativos,
miravam os três bois mortos e os duzentos homens vivos.
Cecília suscita uma reflexão de cunho antropológica com este poema-relato: ao
apresentar a visão e costume orientais e a ocidentais quanto ao tratamento dos bovinos,
provoca um exercício de relativização, de análise do processo aculturativo pelo qual
todos são submetidos ao serem introduzidos em um meio social.
A relativização é estimulada pela presença da tensão entre o real e o ideal, o
sagrado e o profano, o desencantamento e o encantamento. Primeiramente, este embate
é introduzido gradualmente, pois, separado por estrofes: na primeira, descreve-se o
evento, a realidade, a violência do ato, que se dá como grotesco, remetendo ao cenário
infernal com a ideia de ser “fincados em espetos” e “a fumaça [que] toldava o campo e
o céu de crepes pretos”. Em seguida, o ideal (seja por julgamento de valor ou por ser o
não ocorrido, apenas o possível), o belo, é introduzido ao se referir à cultura hindu
(indiana), tanto quanto à linhagem dos animais, como ao ideário de um oriente da
cultura da meditação (“imensos de silêncio”) e da não violência (“de chifres serenos”) –
exemplificada pela libertação a Índia do domínio inglês pelo movimento de Gandhi ou
pelos preceitos milenares do hinduísmo e do budismo, que abarcam tanto o
vegetarianismo, como uma conduta pacífica.
Na sequência, a perplexidade é intensificada ao se condensar em uma só estrofe,
a terceira, o ideal e o real, o sagrado e o profano: “Não lhes douraram os chifres, não