Pretinho, travada no Piauí em 1916 é notável sob tais aspectos. O desafiante lança ao
cego uma estrofe com palavras enigmáticas, para enredá-lo:
Eu vou mudar de toada
Para uma que mete medo
Nunca encontrei cantor
Que desmanchasse esse enredo:
É um dedo, é um dado, é um dia
É um dia, é um dado, é um dedo (apud CAMPOS, 1978, p. 260)
A repetição do verbo ser guarda semelhança com o recurso expressivo da
canção “Ponteio”, provando o valor do estratagema poético. O cego responde com uma
engenhosa e simples inversão de palavras:
Zé Preto, esse teu enredo
Te serve de zombaria.
Tu hoje cegas de raiva,
O diabo será teu guia.
É um dia, é um dado, é um dedo,
É um dedo, é um dado, é um dia. (apud CAMPOS, 1978, p. 260)
O cego devolve o “enigma”, o “enredo” sem solução ao desafiante, perfazendo
o que Augusto de Campos chama de círculo vicioso. Depois, mesmo com o rival
desconcertado, o cego ainda atira mais versos, desta vez para quebrar a língua: “Quem a
paca cara compra / Cara a paca pagará” (apud CAMPOS, 1978, p. 260). Esses famosos
versos foram utilizados em canções, inclusive por Luiz Gonzaga. A alteração
interminável de palavras confunde o antagonista. Há uma requintada elaboração formal
e uma estratégia das respostas, para não mencionar a sua imediatez, que não perde a
força no registro posterior. Tais estratégias criadas supostamente por Aderaldo Ferreira
de Araújo (1878-1967) – e, na verdade, concebidas por Firmino Teixeira do Amaral
(1896-1926) – provam o alto nível de “torneio de habilidade artesanal, onde cada um
procura superar o adversário quer na versatilidade rítmica, quer no domínio da invenção
léxica e semântica” (CAMPOS, 1978, p. 257-8).
Cego Aderaldo também se utiliza de mecanismos criativos ao falar de seu
infortúnio e, ainda que recorra ao sentimentalismo, “consegue por vezes expressar com
grande dignidade e comedimento a sua tragédia pessoal e a do seu contexto”
(CAMPOS, 1978, p. 261): Até nos olhos eu tenho / Esse quinhão de pobreza (apud
CAMPOS, 1978, p. 261). Ou, ainda, em: