Entre vários povos das regiões da África e da Polinésia, e entre os esquimós, o
poema é um bem a ser conservado, preservado, legado e, em alguns casos, trocado. O
que nos distingue desses povos é a comercialização desse bem, a consagração financeira
de sua exploração, ou seja, o direito de autor. Contudo, conclui Zumthor, o direito de
autor está ligado ao emprego da escrita, de sorte que o letrista e o compositor, com os
quais nenhum ouvinte se importa, percebem um rendimento da performance executada
por um terceiro: procedimento que de um só golpe exclui o público, a quem é negado
todo sentimento de participação na produção da obra (ZUMTHOR, 2010, p. 238). Com
isso podemos concluir que Zumthor atribui maior importância à performance no
processo de execução de um determinado canto ou poema em público, cantado ou lido
em voz alta, o que confere ao executante o papel de autor. Na Literatura de Cordel fica
bem claro o papel que a audiência exerce no processo de interação com o
executante/autor. Não raro, o leitor/ouvinte é convidado a participar da narrativa e, por
conseguinte, interagir, seja rindo, criticando, gesticulando ou sugerindo outro final para
a história. Mesmo os poemas de cordel produzidos mais recentemente preservam as
marcas da oralidade e são escritos como se fossem ser lidos em voz alta para uma
audiência. N´
O romance da quenga que matou o delegado
, folheto de cunho satírico,
escrito por Antônio Klévisson Viana Lima em 2001, o leitor é lembrado logo no
primeiro verso do intróito:
Leitores, se não se enfadam
Vou retornar ao passado
Para narrar uma história
Que passou em nosso Estado
O caso de uma puta
Que matou, numa disputa,
Um temível delegado.
(LIMA, 2001, p. 1).
No poema tradicional
Roldão no Leão de Ouro
, João Melchíades Ferreira
convida o leitor a “matar o tempo” ouvindo a história da Princesa Angélica e do
Príncipe Roldão, adaptada da matéria de Bretanha:
Leitores matai o tempo
Que é boa distração
Saber como uma princesa
Estava numa prisão
E Roldão pôde roubá-la
Escondido num Leão.
(FERREIRA, 2002, p.1)