O POETA ORAL NA ACEPÇÃO DE PAUL ZUMTHOR
Francisco Cláudio Alves Marques (Docente/UNESP)
Resumo: Diferentemente do que ocorre no âmbito da cultura letrada, na tradição oral o conceito
de poeta não fica reservado apenas àquele que compõe o texto poético. O indivíduo que
interpreta ou recita – prática bastante comum nas feiras e praças públicas, principalmente do
Nordeste brasileiro – é também considerado poeta pela audiência. No ambiente de feira, o
vendedor de folhetos geralmente introduz novos versos aos poemas escritos em folheto, inventa
novas rimas, concedendo à história narrada outro sabor e, às vezes, o final que a audiência quer
ouvir. Em
Introdução à Poesia Oral
, Paul Zumthor usa a palavra
poeta
para designar aquele ou
aquela que, executando a performance, está na origem do poema oral, de modo que
poeta
subentende vários papéis, seja tratando-se de compor o texto ou dizê-lo. Nesse caso, a ação do
compositor, preliminar à performance, encontra-se numa obra ainda virtual. Zumthor observa
que, em toda prática da poesia oral, “o papel do executante conta mais que o do compositor”,
considerando-se que, por meio da performance, contribui mais para determinar as reações
auditivas, corporais, afetivas do auditório, a natureza e a intensidade de seu prazer. Então, pela
performance, o intérprete passaria a ser o autor do texto, pelo menos no momento de sua
apresentação em público, noção que ajuda a desinstalar do imaginário coletivo a idéia de que a
poesia oral é anônima.
Palavras-chave: Literatura de Cordel, poeta oral, performance, Paul Zumthor.
Por se tratar de uma literatura do povo e para o povo, o texto de Cordel é
coletivo, plural, produzido pelo concurso de inúmeras “vozes”, vozes do passado, do
presente e do futuro, ou melhor, da grande voz do tempo único, do tempo do povo,
daquele tempo do carnaval bakhtiniano. Tavares Junior observa que, dentro dessa
concepção, a figura do autor, como a entendia a crítica tradicional, perde toda
significação. O autor já não será o emissor, possuidor de uma biografia, de uma
psicologia, de uma ideologia, de que a obra seria a expressão. Ele passa a ser apenas o
lugar de uma conexão de “textos”, que entram na produção daquele que se escreve em
função de e em oposição a tantos outros (TAVARES JR., 1980, pp. 11-12).
Nessa mesma linha, a noção de leitor passa igualmente por um novo enfoque:
este deixa de ser o agente passivo, o receptor neutro de um produto acabado, de um
sentido perfeito, para tornar-se um elemento ativo, um co-agente, um co-autor de uma
criação, de uma produção de sentido, que não lhe é estranha e anterior: o fazer poético
também lhe concerne; na sua tarefa de descobrir os sentidos, nomeá-los, ele entra com o
sucesso de seu próprio texto, de sua enciclopédia particular. Tavares Junior conclui
dizendo que, no caso do Cordel, o leitor configura-se “o lugar onde o texto se
reescreve”. Nesse universo, autor e leitor respiram a mesma ambiência sócio-cultural
(TAVARES JR., IDEM).
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