Página 180 - Anais do IV Seminário Leituras da Modernidade: entornos da poesia
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para uma referência mais à esquerda, quando Godard nos dava
La Chinoise
, ainda
parecia haver vida resistente nas artes.
Em 1967, a canção “Ponteio” de Edu Lobo e Capinam obtinha o primeiro lugar
do terceiro Festival da Música Popular Brasileira, organizado pela TV Record. Essa
edição do Festival foi considerada a mais significativa da “Era dos Festivais”, pela
diversidade e qualidade musical do evento. Os arranjos apresentados abusaram da
criatividade, com a sensibilidade capaz de aproximar ritmos e timbres instrumentais
inusitados, como se a Música Popular Brasileira e o espírito da juventude da época
entrassem em comunhão inédita. Para os que não se lembram, ou para os que a idade é
insuficiente para a memória do fato, é arrebatador elencar os quatro primeiros lugares:
“Ponteio”, de Edu Lobo e Capinam, “Domingo no parque”, de Gilberto Gil, “Roda
viva”, de Chico Buarque e “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso. A noite da final, 27 de
outubro de 1967, rendeu um belo documentário:
Uma noite em 67
(Renato Terra e
Ricardo Calil, 2010).
“Ponteio” conquistou o público especialmente devido ao ritmo crescente,
empolgante, valorizado pela interpretação de Marília Medalha e Edu Lobo que, embora
considerados os antagonistas de Caetano Veloso e Gilberto Gil (cujas apresentações
contaram com os elementos que melhor satisfazem a comunhão com a juventude, por
terem interpretado suas músicas com a utilização da guitarra elétrica, apostando na ação
efetiva da inovação), arrebataram o primeiro lugar com uma canção que apostava na
mitologia do dia que virá (GALVÃO, 1976). A letra da composição trazia a agonia do
poeta e violeiro que, por alguma razão, se calava. A medida da angústia se mostra no
ritmo e nos significados do poema:
Era um, era dois, era cem
Era o mundo chegando e ninguém
Que soubesse que eu sou violeiro
Que me desse o amor ou dinheiro...
Era um, era dois, era cem
Vieram prá me perguntar:
"Ô você, de onde vai
de onde vem?
Diga logo o que tem
Prá contar"...
Parado no meio do mundo
Senti chegar meu momento
Olhei pro mundo e nem via
Nem sombra, nem sol
