Jesús Martín-Barbero inclui a literatura de cordel no rol das literaturas que
inauguram uma outra função para a linguagem: “a daqueles que sem saber escrever
sabem contudo ler” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 155), definida portanto como
escritura paradoxal porque, apesar de escrita mantém uma estrutura oral, visto estar
sociologicamente destinada a ser
lida em voz alta
, coletivamente.
Percebemos na escrita dos poetas de cordel, a quem podemos chamar de poetas
orais, uma forte imposição da voz, bastante fiel à fala cotidiana. Embora o texto tenha
sido previamente escrito, ele se liberta das regras da composição por escrito quando da
sua leitura em público, como nos faz entender Paul Zumthor:
[...] nas formas poéticas transmitidas pela voz (ainda que elas tenham sido
previamente compostas por escrito), a autonomia relativa do
texto
, em relação à
obra, diminui muito: podemos supor que, no extremo, o efeito textual
desapareceria e que todo o lugar da obra se investiria dos elementos
performanciais, não textuais, como a pessoa e o jogo do intérprete, o auditório, as
circunstâncias, as relações intersubjetivas, as relações entre a representação e o
vivido (ZUMTHOR, 2000, p. 21).
Quando da leitura dos folhetos em público – nas feiras, praças e mercados –
parece ocorrer algo que não estava no roteiro: é o momento em que os movimentos
corporais, condizente com a lógica dos espetáculos circenses e das arenas teatrais,
passam a integrar a narrativa, tudo embalado pelo ritmo da voz anasalada do poeta ou
do vendedor de folhetos. Trata-se ainda da presença corporal do leitor tornado ouvinte,
da exploração de suas percepções sensoriais, uma espécie de
click
que perpassa todo o
sistema nervoso periférico, desaguando na
consciência
, despertando para a realidade
dramatizada, fazendo passar, como quer Zumthor, “algo que eu reconheço, da
virtualidade à atualidade” (ZUMTHOR, IDEM, p. 36).
A
performance,
termo emprestado à dramaturgia, é um dos elementos que
aproxima a literatura de cordel das encenações de rua. Na literatura de folhetos “a
influência da escrita dá-se de forma parcial, e a força da voz viva se impõe de modo
indelével. No espaço cambiante da oralidade/escritura, distingue-se um movimento
textual transgressor, uma vez que o texto transgride o espaço da escritura, ultrapassa-o,
sai dos limites do papel, move-se e aspira a se fazer voz”. A literatura de cordel, ponto
de intersecção entre a oralidade e a escritura, “permite que a cena oral não se restrinja à
voz, mas, [...] se insinue como corpo e gesto” (MATOS, 2007, pp. 149-167). Daí a
similitude do poeta de cordel com os atores dos espetáculos populares que, com voz e
gestos, faz a coreografia de suas narrativas. Zumthor observa que o conceito de
poeta
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