I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 85

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ora, a presença negra no Brasil não é um dado da essência metafísica da nação, mas um fato
histórico que só pode ser apreendido em sua dimensão completa se nos lembrarmos de:
importação do negro como mercadoria, sua exploração como trabalho escravo, escravidão
hereditária, políticas de estado de branqueamento da população; elementos que geraram
contradições ainda não superadas na atual sociedade brasileira, eis aí a necessidade da
existência de uma militância em torno da causa negra. Da mesma maneira, passamos por
um momento em que se dinamiza o avanço dos interesses de diversos capitais sobre as
áreas da população indígena, e vemos de um lado massacres para garantir o interesse de
madeireiros, e de outro vemos relaxamento nas leis que garantem a proteção a essas
comunidades (como a famigerada e momentaneamente retirada portaria 303 da AGU) para
facilitar a aprovação de megaprojetos que prejudicam muito a situação de comunidades
indígenas, a ponto de ameaçar sua sobrevivência, como a construção que ocorre a todo
vapor agora em Altamira. Talvez possa-se perdoar dos Santos: no período em que escreveu
seu trabalho (a defesa é de 2010) as tensões apareciam de maneira mais pacificada, afinal
passávamos por oito anos de governo Lula, em que diversas políticas de conciliação de
classe foram aplicadas; também o texto de João Melo foi originalmente publicado em 2001,
e para não ser acusados de anacronismo, teríamos que citar como as contradições
manifestavam-se então. Porém, não se pode argumentar que em algum momento a presença
negra e indígena no Brasil não foram tensas.
De qualquer forma, ao voltarmos para o texto, agora de posse desses elementos –
que nos foram possibilitados por indicações do próprio texto, nunca é demais frisar –, a
passagem em que Jussara renomeia António de NgolaKiluanje ganha outros contornos.
Talvez pelas questões raciais se apresentarem de maneira completamente diferente em
Angola e no Brasil, António não entende muito bem o que acontece nesse momento. O
leitor deve desconfiar tanto do que diz o pretenso narrador-autor quanto da personagem.
Quanto à forma, renomear ou rebatizar alguém tem um poderoso valor simbólico; a
contradição aqui reside no fato de que a personagem renomeada não apresenta
desenvolvimento, permanece a mesma.
Da mesma maneira, se pensarmos na composição de António e sua família, temos
que nos atentar que a presença branca em solo angolano se dá pela colonização portuguesa,
que se acentua após a partilha da África pelas potências europeias. Pouco se diz sobre isso,
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