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“... A chegada da Phati, a quinta esposa, do meu marido, veio transtornar
toda a nossa vida e eu morri completamente no coração daquele homem.
Já passam dois anos que não come a minha comida, que não me oferece
uma carícia” (Chiziane, 2009, p.72).
Podemos concluir através da passagem acima, que o homem tem total autonomia
para decidir como tratar suas esposas, pois nesse contexto cultural as mulheres “são
abatidas e subjugadas pelos homens. E sabe-se que no lar, ou seja, nas relações amorosas, a
mulher se vê excessivamente dominada pelo homem” (EbenezerAdedeji, 2007, p.412)
afinal, o divórcio não é uma opção justamente por conta do lobolo.
O lobolo é um pagamento dado à família da noiva e, mais que uma remuneração, ele
serve também para realizar futuros casamentos dos homens desse grupo familiar. Se, por
qualquer razão, o casamento for desfeito, o lobolo e, tudo o que posteriormente foi
conquistado com ele, deverá ser devolvido. O trecho a seguir exemplifica essa dinâmica:
“... Esse é o meu verdadeiro preço, o preço da minha honra. O meu lobolo
foi com trinta e seis vacas novas e virgens. Com as vacas do meu lobolo,
os meus dois irmãos casaram seis mulheres. Os irmãos das minhas seis
cunhadas usaram o mesmo gado para casarem as suas esposas, e por aí
adiante. Só as vacas do meu lobolo fizeram outros vinte e quatro lobolos.
Tiraste-me do lar, abandonaste-me, tive que lutar sozinha para devolver as
trinta e seis vacas, pois se não o fizesse, todas seriam recolhidas em cada
família, o que significa vinte e quatro divórcios...” (Chiziane, 2009,
p.144).
Tanto a poligamia quanto o lobolo nos mostram o papel de submissão que a mulher
moçambicana ocupa nesse corpo social, isso se dá pela impossibilidade de mobilidade que
ele possui. Sendo assim, Paulina Chiziane dá voz a uma protagonista feminina (Sarnau) que
denunciará essa tradição através de um olhar feminino.
Se no período anti-colonialista escritoras como Alda Lara, Noémia de Sousa, Alda
do Espírito Santo, participavam da utopia da nação e seus textos possuíam um tom
engajado, convocando tanto mulheres quanto homens para a libertação e formação de uma
nação; os textos de autoria feminina do período pós-colonial, além de possuírem os ideais
de liberdade, possuem também um tom mais individual, intimista, evidenciando a
complexidade do espírito humano. Ou seja, se antes o EU da enunciação se misturava com
o EU coletivo acarretando na pluralização do sujeito; agora o objeto passa a ser o EU e não
o NÓS, aqui se trata da expressão da subjetividade feminina, da consciência da mulher
enquanto sujeito e de um espaço de reflexão desse sujeito “silenciado”.