77
Ao utilizar uma figura feminina, que terá voz em um espaço que, à priori, seria
masculino, o narrador da história, nos faz pensar que o intuito da autora seria apontar para
uma mudança de valores dentro dessa sociedade moçambicana, tentando despertar nas
mulheres dessa esfera, uma transformação ideológica, visando melhores condições para as
mesmas.
Desta forma, podemos afirmar que a escritora produz seus textos com a finalidade
de “construção de um pensamento sobre a necessidade de tornar visíveis questões sociais
cujos agentes são femininos” (MATA, 2007, p. 423). Ou seja, a escrita de Paulina Chiziane
tem como propósito evidenciar a posição da mulher dentro da sociedade moçambicana,
objetivando uma reflexão da mesma a respeito da sua condição no interior desse sistema
social, sendo que este é caracterizado pela
(...) condição subalterna da mulher: do casamento forçado ao lobolo, da
dureza da guerra, com o seu corolário de violações e fragmentação
psicológica e identitária, ao estatuto da amante e concubina, da
marginalização, institucional e social da mulher à a de seus filhos
nascidos em condições que as “leis da família” feitas à margem dessoutras
das sociedades tradicionais que realmente vigoram, da submissão aos
mais repressivos rituais de subserviência conjugal e de viuvez (como o
kutchinga ou o levirato) à desproteção social e institucional a que a
mulher é atirada devido a hipocrisia do Estado e da sociedade. (MATA,
2007, p. 437).
Neste encadeamento de idéias, além do questionamento, há também uma busca por
respostas acerca do papel da mulher dentro da sociedade moçambicana, em uma tentativa
de subverter os valores patriarcas, predeterminados dentro desse sistema social,
predominante em Moçambique. Vale, portanto, destacar que
(...) existe a representação de uma consciência feminina que se reconhece
através do seu discurso e que consegue, através do mesmo, uma
desmistificação dos valores de preservação do masculino em detrimento
da preservação do feminino. (RAINHO & SILVA, 2007, p. 525).
A personagem Sarnau, protagonista feminina do romance cumpre esse papel de
objeção dentro da obra. Mesmo que sua fala não apresente questionamentos acerca da
condição da mulher na sociedade moçambicana, suas atitudes estão permeadas de crítica a
esse sistema. Fatores como a fuga do casamento, devolução do lobolo, se tornar prostituta,
ser amante de um homem branco, cristão, trabalhar em um mercado, nos apresenta uma
postura transgressora dessa tradição em que a mulher vivia, exclusivamente, para atender às