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personagens com origens distintas, um angolano, um português e um brasileiro, que tem em
comum o idioma. Procuraremos refletir, a partir dessa escolha, como a língua portuguesa
une as três personagens e como auxilia na construção de suas opiniões acerca da mesma.
Notaremos também a inter-relação estabelecida no decorrer da narrativa pelo narrador
angolano.
2.
O discurso sobre o fulgor da língua
O conto Discurso sobre o fulgor da língua chama nos a atenção de inicio por seu
título, pois imaginamos alguém que vá defender uma determinada língua, mas no decorrer
da narrativa percebemos que é mais que um discurso é a inter-relação estabelecida através
de três personagens e por meio deles a reflexão sobre a língua portuguesa e suas variações.
O livro é dividido em três partes,
Angola
,
Brasil
e
Outros lugares da Errância
,
este conto está na segunda parte. A narrativa passa-se no Maranhão, o enredo se desenvolve
em um sebo cujo dono é um brasileiro, Firmino Carrapato, o narrador é um angolano, e no
decorrer da história aparece a terceira personagem, um português. O único nomeado no
conto é o dono do estabelecimento, os outros simplesmente sabemos ser o narrador
angolano e o português.
No inicio o narrador nos apresenta o Velho Firmino, que vivia “soprando no ar
ensopado misteriosas ladainhas” (AGUALUSA, 2005, p.95) repletas de aliterações, como
quando declamava versos de Cruz e Sousa e de Fernando Pessoa e seus heterônimos, os
quais segundo o narrador Firmino amava-os.
O narrador pelo que o texto indica vivia com Firmino, conta que chegou um
náufrago com uma mochila nas costas. Ele descreve o sebo que ocupava dois andares de
um casarão colonial e possuía redes amarradas do lado de fora para que as pessoas
pudessem folhear os livros com certa comodidade:
(...) O Velho Firmino dispusera cinco ou seis redes amarradas às colunas,
junto às largas portadas abertas para a rua, de forma que era possível
folhear os livros com alguma comodidade, rezando para que a brisa da
tarde fosse capaz de abrandar o calor, sim, mas não forte o suficiente para
transformar em irremediável pó, pura poeira erudita, os papéis antigos.
(AGUALUSA, 2005, p.97).