I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 79

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necessidades do marido. Dessa forma, podemos determinar que Sarnau critique
implicitamente esse sistema poligâmico através de um discurso “que representa um
universo visto, vivido e sentido por uma mulher, a revelação de uma vida no feminino”
(RAINHO e SILVA, 2007, p. 520).
Se Sarnau nos denúncia um sistema opressor em relação à mulher, é a figura de
Mwando que fará um questionamento explícito desse corpo social em relação à poligamia e
o patriarcalismo. É o seu discurso que pressupõe uma nova visão da sociedade e uma busca
pela mudança na estrutura cultural. Sumbi, esposa escolhida para Mwando por seus pais,
também ocupa um papel de oposição na obra uma vez que é mal vista pela sociedade
quando assume o papel do homem na relação com o jovem. Os excertos a seguir
representam de forma ímpar como, ao se negarem a viver de acordo com os preceitos
poligâmicos (uma grande afronta à sabedoria dos anciãos), Mwando e Sumbi contestam a
cultura vigente causando uma tensão entre tradição e modernidade.
“Onde já se viu o homem colar como piolho nas capulanas da mulher,
cozinhar para ela, lavar para ela? As gentes conspiraram, pois o casal seria
capaz de contaminar a aldeia com aquele modo de vida.” (Paulina
Chiziane, 1990, p.62).
“Homem que se deixa dominar por uma mulher, não merece a dignidade
de ser chamado homem, e muito menos ser considerado filho de
Mambone. Não se compra uma mulher para trazer prejuízos à família,
antes pelo contrário, o lobolo é uma troca de rendimentos. Mulher
lobolada tem a obrigação de trabalhar para o marido e os pais deste. Deve
parir filhos, de preferência varões, para engrandecer o nome da família. Se
o rendimento não alcança o desejável, nada há a fazer senão devolver a
mulher à sua origem, recolher as vacas e recomeçar o negócio com outra
família. Mulher preguiçosa não pode ser tolerada, muito menos libertina.”
(Paulina Chiziane, 1990, p.63).
E, para além de questionar o papel da mulher, Mwando também faz uma critica a
posição dos mais velhos que são os pilares desse sistema social. É na figura de Mwando
que a tensão pós-colonial aparece culturalmente. Se “o pós-colonial pressupõe uma nova
visão da sociedade que reflete sobre sua condição periférica, tanto no nível estrutural como
conjuntural” (MATTA, 2003, p.45), o personagem coloca a tradição (poligâmica) em
oposição à modernidade (religião católica).
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