I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 72

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É muito interessante a opção de Agualusa em colocar no conto três
personagens de diferentes nacionalidades, mas que possuem algo que as aproximam, a
língua e por meio desta a discussão do sotaque dos distintos países que se torna muitas
vezes de difícil compreensão. O velho Firmino, como vimos, se espanta ao saber que na
África fala-se português, o que é comum muitas pessoas pensarem, só quando o angolano
lhe explica que não só em Angola, mas também em outros países do continente africano ele
passa a acreditar, porém discorda que em Portugal seja a mesma língua devido a
dificuldade de entendimento.
O que não passa pela cabeça do brasileiro é que a língua sofre variações,
tanto dentro de um país de região para região, como de um país para outro. Só se convence
quando um português lhe explica como funciona o sotaque, uns abrem mais as vogais na
hora de falar e outros as fecham.
Tendo em vista toda a reflexão das três personagens, o português se interessa
justamente por um livro que retoma a questão, trata-se do esplendor da língua. Pelo título
do livro Discurso sobre o fulgor, da língua que por sinal dá nome ao conto, não sabemos
qual é essa língua, mas deduzimos que seja a portuguesa por ter sido escrito por um
brasileiro e por manter a ironia acerca da mesma. O fato de ninguém nunca ter lido tal obra,
inclusive a própria falta de curiosidade de Firmino cria a ironia no desfecho do conto.
No final imaginamos certa perplexidade no angolano ao se deparar “com o
português sentado num bar de rastafáris” (AGUALUSA, 2005, p.99), e ainda por cima
descobrir que herdou um casarão simplesmente por ter encontrado um bilhete dentro do
livro que nem precisou comprar. E o brasileiro que o teve por anos nunca se propôs a
usufruir seu conteúdo, já o português se deu bem melhor no final.
Cabe notar o papel exercido pelo narrador na construção da história, ela nos é
apresentada por um narrador em primeira pessoa que conta o episódio do sebo de Firmino.
A primeira apresentação é a do Velho Firmino,preocupa-se em descrever essa personagem
antes de se revelar: “O Velho Firmino rondava-se em descrever vagamente por ali, sempre
absorto, extraviado, soprando no ar ensopado misteriosas ladainhas.” (AGUALUSA, 2005,
p. 95). Logo após, conta que chegara um náufrago no sebo e antes de descrever que o sebo
era de Firmino Carrapato comenta que se fosse alfarrabista, (...) “teria imenso trabalho para
organizar a minha loja de forma a que parecesse naturalmente desorganizada.” (...)
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