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“... Quem são eles (os mais velhos) para aviltá-lo? Que entendem eles da
vida e do amor? Vivem nos abismos da cegueira, adorando as trevas, os
mortos e os feiticeiros. Camponeses sem história, vieram ao mundo
apenas para cultivar, reproduzir-se e morrer. Como podem humilhá-lo, a
ele, civilizado, erudito e cristianizado? (Paulina Chiziane, 1990, p.66).
Mwando teve sua educação formal em um seminário e, junto dela, assimilou os
preceitos cristãos da criação humana. Quando regressa ao seu vilarejo, por ter sido expulso
da instituição católica, ele se vê obrigado a viver de acordo com as tradições locais que
agora passa a questionar. A sua visão do paraíso, por exemplo, confronta a visão que
Sarnau, representante da tradição mítica tribal, tem sobre o mesmo como pontua Hilary
Owen
“A visão de Sarnau do Paraíso deriva da beleza do mundo natural que a
rodeia, no qual a sexualidade humana acompanha o ritmo das estações.
Por contraste, Mwando interiorizou, ao longo das aulas sobre a Bíblia no
colégio católico, uma versão em segunda mão do paraíso e a importância
dada ao celibato pela religião católica. Para Sarnau, o verdadeiro meio de
instrução e fonte de sabedoria é a natureza, e não a igreja, enquanto que
para Mwando a natureza é uma intrusa indesejável à civilização e uma
ameaça ao intelecto” (Hilary Owen, 2008, p.169).
A personagem de Sarnau vive completamente para os ensinamentos que foram
passados de geração para geração, ela encontra na natureza a representação da sexualidade
humana e, transpõe para sua vida esses preceitos; já Mwando, em um embate ideológico
entre onde nasceu e como foi criado, coloca em xeque toda a tradição local enaltecendo a
religião na qual foi educado. O mesmo acontece com a emblemática figura da serpente,
“Mwando associa Sarnau a uma serpente que o desperta da inocência. Por
outro lado, Sarnau não vê a serpente como pecadora, mas como um ser
discreto e sutil que não interfere nas relações humanas, uma vez que << a
serpente junto ao ninho, fecha os olhos, discreta, não vá ela interromper os
beijos dos pássaros que se amam, crescem e multiplicam>> (Paulina
Chiziane, 1990, p.15), Sarnau iliba a serpente e, por extensão, também a si
própria, do “pecado original”. Para Mwando, a serpente é a agente do mal
na consciência cristã, e <<como o Adão no Paraíso, a voz da serpente
sugeriu-lhe a maçã, que lhe arrancou brutalmente a venda de todos os
mistérios>> (Ibidem)”. (Hilary Owen, p.169).
Para o jovem, Sarnau é como a serpente bíblica que induz os moradores do paraíso a
cometer o pecado original, caindo em tentação e assim sendo expulsos do paraíso. Mwando
associa essa passagem a sua própria história: ele é expulso do seminário quando o padre