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encontra, entre suas coisas, uma carta na qual descreve sua paixão por Sarnau após terem se
relacionado sexualmente. Por outro lado, Sarnau enxerga a serpente como um ser puro que
simplesmente vive de acordo com seus instintos, tal como ela mesma. Ao se entregar a
Mwando, Sarnau dá continuidade ao que é intrínseco de sua natureza: amar, crescer e
multiplicai-vos.
Uma outra temática corrente no romance é o deslocamento do campo para a cidade.
O próprio percurso das personagens Sarnau e Mwando, que ao serem descobertos por uma
das esposas de Nguila, marido de Sarnau e rei da tribo, se vêem obrigados a deixar o espaço
em que nasceram e fugirem para a cidade, representam uma movimentação do eixo
endógeno para o eixo global. Essa mudança é outra característica pós-colonial porque
apresenta uma mudança tanto na estrutura interna dessa sociedade como uma mudança
dessa mesma sociedade com relação ao cenário global.
Esse deslocamento nos mostra como as relações de poder se dão tanto dentro da
nação moçambicana quanto para fora dela. Há uma re-inscrição dessas relações agora em
uma ação global que influenciará a literatura que vem nesse momento contestar as falhas
desse novo sistema buscando uma afirmação da identidade cultural. Mais especificamente
em
Balada de Amor ao Vento
, essas mudanças vem contradizer o sistema patriarcal e
poligâmico vigente dentro de alguns extratos sociais e, para além, explicitar o papel que a
mulher ocupa nesse corpo social atentando para uma mudança significativa dessa sociedade
no que tange as relações entre feminino e masculino.
Compreender as relações pós-coloniais existentes no país significa compreender
também certas relações de poder que, agora, se estabelecem dentro da própria nação, isto
sem falar numa perspectiva e numa dimensão maior, ou seja, para fora também do contexto
unicamente interno, onde poder-se-á observar uma re-inscrição dessas relações, agora
também inseridas num cenário global. Mas aí reside o poder desta literatura, produzida em
contextos pós-coloniais, que surge para contestar as falhas e as rasuras desse novo sistema,
dando voz aos discursos marginalizados e evidenciando as vozes periféricas e subjugadas
(no caso do romance, as mulheres). Dentro deste cenário, Paulina Chiziane propicia um
espaço para as vozes dessas mulheres, justamente para colocar em evidência quão
subjugada são essas falas e como ainda se encontram no seio da cultura moçambicana atual.
São essas mulheres que, metonimicamente, denunciam as atrocidades vivenciadas por