I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 59

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Campos. Com isso, o vínculo com a alteridade passa a configurar-se como uma característica
inseparável de João Xilim, já que ora a sua inter-relação com “outro” será benéfica à sua estirpe, ora
tenderá negativamente à sua edificação.
No romance
Portagem
a personagem João Xilim, curiosamente, não vai ao encontro de seu
pai, já que ele é conhecido e vivo; todavia, há uma parte da história que é desconhecida por ele, ou
seja, a informação verídica de sua origem é velada. A sua cor de pele já dava alguns sinais sobre sua
origem, pois desde criança Xilim questionava-se sobre essa cor que não era negra nem branca, mas
a mescla delas. Por isso, a sua mãe, a negra Kati, era a pessoa com a qual as suas incertezas eram
questionadas, porém ela sempre procurava uma maneira de dissimular a sua resposta.
João Xilim vivia com uma negra/mulata, sua mãe, e com o negro Uhulamo, seu pai;
contudo era justamente esta situação que a personagem não conseguia compreender, por que tinha
aquela cor que o diferenciava tanto deles?
Vendo a mãe a mirar-se num espelho novo, teve a curiosidade de se mirar
também. Surpreendido, interrogou Kati:
- Por que eu não sou preto como toda a gente?
A Mãe tartamudeou mas depois falou firme:
-Tu nasceu mais claro porque nasceu numa noite de lua grande. Mas tu és
negro como tua mãe e teu pai. (MENDES, 1981, p. 17)
Quando a verdade sobre a sua origem é descoberta, ou melhor, quando o
reconhecimento
da
sua real paternidade vem à tona, infindáveis questionamentos e decepções são desencadeados. Um
deles foi o sentimento de
não-lugar
junto à sensação de desprezo. Como mesmo Joseph Campbell
pontua: a partida em busca do pai, na verdade, representa, em meio a muitas “portagens”, a
configuração solitária e angustiosa de sua história.
Campbell ainda reafirma que nas epopeias clássicas é comum o herói ir ao encontro do seu
fatídico destino, sendo conduzido pelos poderes mitológicos ou pelas profecias que lhe são
atribuídas. Muitas vezes ele é movimentado pelo reencontro com o outro, através de uma relação
que, na verdade, desperta o início de uma vida mais focada no seu autodescobrimento e,
consequentemente, no despertar da sua partida, pois ao buscar o outro, como o pai, por exemplo, o
destino do filho deixa o “berço” e o conforto de sua casa. Já a imagem materna, ainda segundo
Joseph Campbell, está mais ligada à mente, enquanto que a do pai já atribui uma prática voltada à
formação do seu caráter, por isso que a busca por ele se dá com mais prontidão e autonomia.
Entretanto, para que este reencontro ocorra, é preciso que o herói esforce-se para descobrir
este momento, que só é proporcionado com a partida. Muitos deslocamentos serão construídos ao
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