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Tiago cria um mundo irreal, para o desconforto dos colonos, que condenam de
antemão o estabelecimento de uma relação de companheirismo e identidade com o
vendedor de pássaros: “O menino se esforçava, nunca aquele homem lhe tivera tanto
valor.” (COUTO, 1990, p.65). A identificação de Tiago com esse homem é fruto de uma
hibridação que, de acordo com Canclini, consiste nesse “lugar comum com as demais
culturas e expressões que se unificam através de vivências ou de experiências.”
(CANCLINI, 1998, p. 85). Assim, a identidade de Tiago se forma na hibridação que se
encontra na relação com o passarinheiro.
E é justamente a popularidade do passarinheiro que faz com que os brancos o
detestem. O passarinheiro transgride as normas preestabelecidas, daí o ódio que desperta.
Se seu exemplo fosse seguido, a própria ordem colonial seria ameaçada. Por isso, os
colonos o detestam, chegando, inclusive, ao absurdo de se irritarem com o interesse que as
crianças demonstram em relação aos pássaros. No entanto, há que se notar que os mesmos
colonos reconhecem como algo de sublime a beleza daquilo que o negro trazia:
Afinal, os colonos ainda que hesitaram: aquele negro trazia aves de
belezas jamais vistas. Ninguém podia resistir às suas cores, seus chilreios.
Nem aquilo não parecia coisa deste verídico mundo. (COUTO, 1990,
p.63).
Na tentativa de isolar o negro, os colonos procuram, desesperadamente, reverter o
mundo de encantamento que o vendedor traz ao bairro, em especial, desmistificar essa
imagem de beleza para as crianças. Como reação à desobediência das crianças e para evitar
que elas se encontrem com o vendedor, os pais as proíbem de ir à rua. Impotentes para
modificarem a ordem das coisas, só lhes resta resignarem-se à espera de que a situação
mude. O uso da violência por parte dos colonizadores consiste em não aceitar o que não se
entende, tentando eliminar de todas as formas o que deturpa a ordem fixa. Sob esse aspecto,
vale enfatizar a maneira como a violação da integridade física e moral de Tiago está
diretamente relacionada à transgressão política que ele pratica.
Dessa forma, os valores culturais moçambicanos são resgatados nesse conto que dá
vida a personagens que transitam entre dois mundos: o do colonizador, do poder exercido
pelo governo português, e o do colonizado, que assume uma posição de questionamento de
uma realidade imediata proposta pelo poder colonial instituído. Os personagens
