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uma das primeiras peripécias do seu destino vem à tona: Xilim decide fugir do fado que a sua
vergonhosa cor lhe impôs, já que sabia do porquê de seus questionamentos. Assim como afirmado
por Aristóteles, que, um belo reconhecimento é seguido de uma peripécia, dizendo: “Peripécia é
uma reviravolta das ações em sentido contrário” (ARISTÓTELES, 1995, p. 30). Isto é, tudo se
direcionava para certo fim, todavia a inversão da ação, vinculada ao destino fadado, guia-se pelo
fluxo indissociável de um fim trágico. Ademais, segundo Aristóteles, o mais belo do
reconhecimento está na conexão entre
reconhecimento e peripécia,
ou melhor, no desdobramento
da revelação. Uma vez que o rumo da história, a partir deste momento, ganha uma sequência
proporcionada por este elemento de identificação. Não se esquecendo de que o
reconhecimento
pode ocorrer através de um sinal ou mesmo de uma lembrança.
Então, ou por meio da algum traço físico e/ou objeto, ou mesmo através da narrativa
(re)contada pelas personagens em ação, a situação do herói em busca da descoberta de seu
“mundo”, ao vivenciar o
reconhecimento
, passa de uma pessoa desconhecida para o estado de
conhecida, despertando, deste modo, uma espécie de autoconsciência da personagem ou mesmo a
confusão de seus sentimentos, que ora tenderão para a amizade ora para o ódio. Retomando
Aristóteles, ao passar do estágio de desconhecido para conhecido há uma mudança no ser oriunda
da amizade para o ódio ou vice-versa. Para o destino de Xilim, certamente o ódio, e o desejo de
vingança, tornam-se os seus companheiros inseparáveis.
Contudo, é em meio a esta confluência de sensações que a identidade da personagem é
concebida, ou mesmo a confusão dela. No romance, portanto,
reconhecimento
e
peripécia
ocorrem
simultaneamente:
-Deixa estar... Deixa estar...que eu hei de ser homem!... Deixa estar...
Sentiu um arrepio a tomar-lhe o corpo. Uma náusea fez-lhe tonturas.
Adormeceu para acordar alta noite com febre e sede. Levantou-se a custo.
Uma profunda tristeza trouxe-lhe lágrimas mansas aos olhos magoados.
Não poderia tornar a casa de patrão Campos. Nem à palhota de Uhulamoe
Kati. Não teria ânimo para ouvir outra vez as palavras da mãe. Perdera-a
para sempre. A noite medonha e fria cansava-o. Maria Helena era a sua
dona e ele o seu moleque. Seu pai era o capataz da mina do branco que lhe
roubara a mulher. Não, o negro Uhulamo já não era o pai dele. Por isso
ele nascera com aquela cor mais clara que a dos pretos. Seu verdadeiro pai
era o patrão de todos os negros que tinham deixado a planície do
Ridjalembe onde apenas vivia a avó Alima. Caminhando penosamente,
sussurrava:
-Deixa estar... Deixa estar...
E vincava as unhas nas palmas das mãos. Tinha de fugir para onde
ninguém o conhecesse nem pudesse saber da sua dor e da sua vergonha.
(MENDES, 1981, p. 21)