I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 48

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O conto “O embondeiro que sonhava pássaros” está marcado por características
bastante singulares. É uma narrativa curta, com um enredo centrado no período colonial,
mas que, em contrapartida, oferece lances enigmáticos, quando se pretende pensar os
acontecimentos a partir de uma determinada lógica. Referimo-nos, nesse sentido, ao dia a
dia em um país ainda colonial e que sofre as consequências da segregação racial, num
movimento marcado pelo desejo dos colonizados de construir sua identidade a partir de sua
vinculação com a história e com as experiências de convívio com os colonizadores.
A crítica ao colonialismo revela-se no engajamento do narrador com as causas
político-sociais. No processo de construção da narrativa, o narrador assume uma postura
severa em face da dominação do território de Moçambique pela metrópole portuguesa. O
colonialismo, nesse sentido, é parte integrante da mesma constelação de poderes que levam
à prática da discriminação.
Nessa perspectiva, a análise do conto considerará a presença do insólito, pelo qual o
narrador procura reagir contra um discurso hegemônico persistente em silenciar os
moçambicanos em sua necessidade de construir formas alternativas de viver frente a uma
política de alienação proposta pelos europeus.
A alienação que perpassa da ótica do colonizado pelo colonizador é assim definida
por Albert Memi:
Convencido da superioridade do colonizador e por ele fascinado, o
colonizado, além de submeter-se, faz do colonizador seu modelo, procura
imitá-lo, coincidir, identificar-se com ele, deixar-se por ele assimilar. É o
momento que poderíamos chamar de alienação. (MEMI, 1977, p.8).
A partir da diferença, o colonizado pode olhar para si mesmo e perceber a
identificação com o mundo de fora, com o colonizador e com determinado lugar. Esse
processo constitui uma prática de alteridade, no sentido de uma aceitação e percepção dos
valores desse outro, estrangeiro. Em um paralelo com as considerações de Stuart Hall
(2008), pode-se afirmar que, embora a identidade do sujeito esteja sempre em movimento e
em constante transformação, este a vivencia como se ela estivesse reunida e resolvida na
forma de um resultado da imaginação que se tem a partir do olhar externo de si.
No conto, tais aspectos integram a temática da narrativa. Um vendedor de pássaros
que circula em um bairro de brancos com suas aves exóticas muda todo o cotidiano daquele
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