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homem importante da cidade, como foi, por exemplo, Nhô Pedro da
Veiga. Passaria também a fazer como os grandes de outrora, morando em
S. Filipe e visitando as propriedades de vez em quando. (SOUSA, 1978, p.
219).
Com a inserção da figura do emigrado opera-se, portanto, o rompimento dos
tradicionais posicionamentos e comportamentos sociais, demonstrando um dinamismo que
os próprios acontecimentos se encarregam de caracterizar: o desaparecimento gradativo da
aristocracia oligárquica da ilha, aliada ao crescente número de caboverdianos que retornam
da emigração norteamericana e compram os antigos sobrados e lojas pertencentes à elite
decadente, promovendo uma subversão não só social e econômica, mas também subjetiva
da condição do
ethos
de proprietário desse grupo que perde seu lugar social e entra em
estado de extinção. Consequentemente rompem-se os padrões de relações estabelecidos por
essa elite, os quais só a ela cabia e interessava manter, dando lugar a novos
posicionamentos sociais, políticos, econômicos e, principalmente, culturais. Acerca desse
aspecto do romance, valem-nos as palavras de REIS (1983) que traduzem a importância da
representatividade histórica, a qual é possível relacionar, neste caso, à inserção do emigrado
na sociedade foguense:
a essa literatura cabe a parcela da representatividade histórica inerente a
toda a ideologia, bem como a necessidade de privilegiar os processos de
representação dinâmica que melhor traduzam, num registo estético, as
transformações dialécticas próprias do devir da colectividade [...]. (REIS,
1983, p. 188).
Os emigrados se estabelecem, assim, como um fenômeno social ímpar na Ilha do
Fogo, que como afirma HERNANDEZ (2002, 70), fazendo parte do grupo de ilhas de
Sotavento, as primeiras a serem colonizadas e povoadas, se estabeleceu um regime baseado
na “
violência de mando, tanto institucional quanto simbólica
”, onde também predominou
maior divisão social e racial, pois, também como esclarece HERNANDEZ:
Ao lado do parâmetro do
meio
perfila-se o da
raça
, que ganha maior
consistência a partir de 1910, fundando, ainda que de modo tímido, a
consciência da nacionalidade. É certo que este não é problema cultural
stricto sensu
, mas uma questão política que evidencia as relações de
poder. Dito de outra forma: relações raciais são relações de coerção, que
sempre envolvem oposições polares entre brancos e negros, o que se
demonstra de forma pungente na ilha do Fogo, onde a divisão por
cor
impregna a organização das relações de dominação e marca duramente as
relações sociais. (HERNANDEZ, 2002, p. 124).