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Neste mundo ativamente plurilinguístico entre a língua e o seu objeto, ou
melhor, o mundo real, estabelecem-se relações totalmente novas, que
trazem enormes conseqüências para todos os gêneros constituídos,
formados na época de um unilingüismo fechado e surdo. À diferença dos
outros grandes gêneros, o romance se formou e se desenvolveu
precisamente nas condições de uma ativação aguçada do plurilingüismo
exterior e interior. Este é o seu elemento natural. É por isso que o romance
encabeçou o processo de desenvolvimento e renovação da literatura no
plano lingüístico e estilístico. (BAKHTIN, 1988, p. 405).
A forma romanesca demonstra ser, deste modo, um laboratório tanto para o
tratamento da utilização e configurações da linguagem no mundo moderno, quanto, para
tratar as identidades fraturadas, desfeitas e refeitas em seu curso existencial. Em ambos os
casos, a trilogia confirma essa intenção de renovação linguística e estilística, basta notar sua
distinção em relação às obras que a antecederam, tanto no tratamento dos temas, como da
linguagem e da edificação de um conjunto de obra capaz de evidenciar o aspecto
conflituoso entre os grupos sociais que se desestruturaram.
IV.
Conclusão
As narrativas que possuem um caráter memorialístico vêem resgatar do
esquecimento, no plano coletivo e individual, a materialidade dos grupos desprivilegiados,
isto é, as suas condições de existência e sobrevivência, o modo como se relacionavam com
os brancos, donos da ilha, e a sua progressiva ascensão ao sobrado.
As individualidades que se constroem nos romances segundo as estruturas de
interação social são baseadas nos valores e concepções estabelecidos no regime colonial, de
modo que, os conflitos se dão pela superação de um grupo pelo outro, gerando um
inconformismo latente ainda que o que tenha restado da alta aristocracia agrária sejam os
filhos amargados pelo rancor de não possuir mais os seus sobrados, nem a antiga
superioridade socioeconômica.
As emigrações ocorriam também antes da sonhada independência nacional, em
decorrência da necessidade que se impunha ao caboverdiano de buscar outras ocupações
que não fossem a limitada agricultura local, as atividades comerciais, ou ainda, o que era
mais difícil, o controle das propriedades rurais e institucionais da administração colonial.
Os caboverdianos que não se encaixavam nesse campo restrito de trabalho eram obrigados