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Terceiro, porque, fora algumas plantações de milho e feijão, não viu uma
única árvore, de tantas que havia por aquela encosta acima. Além disso,
viam-se mais muros em ruínas, menos casas intactas. Os cordões de lava
acentuavam a agressividade do sítio, onde os troncos, os caules, as folhas,
os frutos, roçavam uns nos outros, e não deixavam ver as enxurradas
vulcânicas, petrificadas ao longo dos tempos. (SOUSA, 1987, p. 241).
Atrelado a essa forma de reapresentar seu mundo a si mesmo, a ilha é perpassada
pela perspectiva distanciada de Benjamim, revelando progressivamente aos olhos do
emigrado retornado, as suas transformações e modernizações em relação ao período
colonial. A distância temporal de cinquenta anos que o separa da ilha, é também o que
possibilita a visualização das mudanças sofridas pelo espaço e pela consciência social
daqueles com passa a conviver novamente.
III.
A descontinuidade do ser: condições do retorno
Os emigrados retornados constituem-se, pois, de uma reformulação sociocultural e
linguística específicas que os caracterizam enquanto sujeitos. Tornam-se fragmentados, ou
como o termo de Edward Said melhor expressa, “fraturados” (SAID, 2003, p. 46) em
relação a sua própria identidade, porque apesar de não ser um exílio forçado, esse a que se
submete o caboverdiano que emigra para trabalhar nos Estados Unidos (ao contrário do que
se passa com os
contratados
para trabalhar nas roças de Angola e São Tomé e Príncipe), a
ruptura realizada em torno da sua condição de sujeito deslocado não deixa de originar
consequências “mutiladoras” na constituição da sua subjetividade, afinal, ele é impelido a
sair da terra natal que constitui seu vínculo subjetivo e afetivo com o mundo; e o regresso
incide sobre ele de modo a torná-lo ainda mais deslocado, embora de alguma forma se sinta
acolhido pela nação.
Contudo, importa destacar que é somente com a entrada do emigrado retornado
que se operam mudanças mais ou menos estruturais na organização e na concepção de
mundo dessa sociedade em relação ao que se concebia como categorias e funções sociais,
por isso, ele adquire uma força que perpassa toda a trilogia, se fazendo presente do início ao
fim e de modo progressivo.
As condições de emigrado não permitem, portanto, que o retorno se dê de forma
neutra, e o indivíduo se posiciona ideologicamente “entre mundos” (SAID, 2003, p. 301-
315). Nem mesmo a nação caboverdiana é formada de maneira homogênea, tal como nos