I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 42

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incluir Cristalina, essa Cristalina que ali no Xaguate recebia as suas
mensagens de amor, através da guita perdida no espaço. Em nenhum
momento se sentiu tão regressado como naquela horinha gostosa em que
bebericava um
scoth
na esplanada do hotel. Esse reencontro com o cutelo
outrora tão ermo, mas tão povoado de sonhos e desejos, seria o ponto de
partida para nova vida. [...] Todo o frenesim em redor podia continuar
sem perturbar a sua felicidade. Fizera a visita que mais desejou desde o
dia em que pôs os pés no chão do Fogo. Encontrou-a viva, ainda mais
bela, menos distante, descida da janela altaneira donde a ninguém
concebia a esmola dum olhar. Com semelhante encontro sentia-se agora
mais determinado na concretização do seu plano de sobrado [...].
(SOUSA, 1987, p. 100-1).
Tendo em vista a sentimentalidade exposta no fragmento e a força telúrica que
procede dele, é válido afirmar que o elemento condicionador do retorno consiste na busca
por um encontro consigo mesmo. Ao retornar, o emigrado procura traçar, seja de forma
idealizadora ou não, os aspectos que caracterizavam a sua vida antes de sua partida. Mas, o
dinamismo histórico imbricado ao tempo, o mesmo que em
Ilhéu de Contenda
quedou a
aristocracia branca de seu pedestal, se encarrega de transformar não só o espaço, mas
também as relações sociais. E por isso, Benjamim só pode encontrar resquícios
irrecuperáveis das tradições vivenciadas em sua juventude.
Essa tentativa de recuperação do passado se dá pela memória, que atua também
como elemento que promove o contraste entre as realidades sobrepostas servindo de um
lado para o recobramento pessoal de Benjamim e de outro, de modo mais amplo, para uma
comparação das configurações do espaço e das relações.
Diante do encadeamento de imagens que remetem a pequenos detalhes de
universos cotidianos, equivale a dizer que a vida é posta em cena a partir dos pormenores
que se lhe impõe sentido, construindo assim um ambiente romanesco cuja essência está na
harmoniosa coexistência entre local e universal.
O processo de readaptação e restabelecimento de Benjamim passa, deste modo,
por diversas experiências ligadas à lembrança pessoal e sensorial do cotidiano e a uma
consciência crítica das condições em que se encontram a ilha:
Encostou o carro à berma, saiu como se acordasse dum sono profundo, a
esfregar os olhos e a abri-los desmesuradamente. Correu a vista por todas
as ravinas, por todas as casas e casinhas, e não conseguiu orientar-se, no
meio daquela aldeia, tão diferente da doutrora. Primeiro porque não deu
pela ribeira, à entrada. A estrada passaria sobre alguma ponte ou
enrocamento. Segundo, porque estacionou o carro abaixo das habitações.
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