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colonizados reproduzem, com certa fidelidade, a situação de desigualdade racial e social a
que estavam expostos os habitantes de Moçambique no período colonial.Assim,
personagens são criados a fim de representar tipos sociais bem definidos nas diversas
camadas sociais. Esse processo de criação que espelha a sociedade repleta de crianças, com
suas brincadeiras constantes, e de adultos que cumprem seu papel de não socializar-se com
outras raças, protagonizam cenas de grandes conflitos raciais e sociais. Pode-se, aqui,
retomar o que diz Lévi-Strauss, relativamente à origem histórica e sua distribuição no
espaço de uma determinada cultura:
A diversidade entre as culturas supõe inúmeros problemas, pois se pode
perguntar se ela constitui uma vantagem ou um inconveniente para a
humanidade, questão de conjunto que se subdivide, bem entendido, em
muitas outras. (LÉVI-STRAUSS, 1993, p.330).
No conto em questão, observamos essa característica: o conflito histórico é
retomado nos paradoxos dos conflitos ficcionais. Os personagens representantes da cultura
moçambicana e europeia põem em debate a realidade de um período colonial marcado por
anos de exploração e que deixa entrever um ar de estranhamento entre as raças, fruto desta
herança colonial.
Os colonos, por medo de perderem o espaço dominado, decidem, em um plano
conjunto, castigar o passarinheiro e dar fim a sua invasão ao bairro: “Os colonos se
reuniram para labutar em decisão. Se juntaram em casa do pai de Tiago.” (COUTO, 1990,
p.65). Exemplos como esse evidenciam a forma como a narrativa mostra a impossibilidade
da construção de vínculos entre negros e brancos em um espaço marcado pelo conflito
étnico-racial. Isso porque a discriminação social do negro revela as constantes tensões
resultantes do seu contato com o mundo do branco, a partir de experiências, histórias,
valores e costumes vivenciados sob a consciência da diferença entre esses dois mundos. O
texto se constitui a partir de uma diretriz que privilegia a perspectiva dos colonos brancos,
detentores do espaço, ao mesmo tempo em que mostra o passarinheiro negro resgatando
elementos de sua cultura, como lendas populares e histórias daquela terra, bem como de
aspectos do cotidiano que possibilitam a formação de elos entre indivíduos pertencentes a
certos grupos sociais.