I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 60

59
longo da trajetória de Xilim, portanto. O grande questionamento e impasse destas partidas estão
focados em sua prática, isto é, como ele fará uso deles atributos ganhos nestas tantas idas e vindas?
Como irá administrar estes múltiplos sentimentos e sensações à sua realização diária? Conseguirá
converter todo este infindável volume de experiências a seu favor?
Esta característica da epopeia está bem marcada no romance, pois Xilim é um grande
aventureiro e emigrante do seu próprio destino, diversas vezes ele deixa a sua terra natal
empenhando-se na liberdade de si mesmo, fugindo dos preconceitos e injustiças que sua cor de pele
lhe impõe, inclusive navega por outros mares em busca de um auto-entedimento e a fuga de seus
problemas. Mas essa(s) fuga(s) é desencadeada, sobretudo, quando descobre que Uhulamo não é
seu pai biológico, mas sim o patrão Campos.
Um dos ambientes pelos quais o herói passa e acaba incidindo fortemente na sua formação,
é a casa do patrão Campos, na qual vive a sua infância. O curioso desta parte da narrativa está
justamente na escolha do menino Xilim para conviver naquele ambiente, haja vista que muitos
outros moleques poderiam ter sido escolhidos: João Xilim ainda não sabia por que tinha tido a
preferência para habitar a casa do patrão Campos dentre muitos outros, todavia, é com a sua
inserção neste local que os seus questionamentos sobre sua cor irão convergir na busca por sua
origem muito em breve.
Ao entrar na vida adulta, paulatinamente descobre que é filho bastardo do patrão Campos,
e, a partir daí, começa a dar sentido à sua cor mestiça e também lhe desponta uma constante
reflexão sobre si mesmo, contudo, essas indagações têm como parâmetro o outro, a experiência
vivenciada a partir do contato com o outro, porém, o mais importante desta troca é ir até o outro,
mas voltar a si mesmo como condição de compreensão daquilo que o cerca, assim como definido
por Mikhail Bakhtin, o qual acolhe a estética da simpatia e da ilusão no ato de ir até o outro, mas,
posteriormente, volta a si mesmo como condição da compreensão.
Eis uma das grandes chaves para compreender a personagem. João Xilim vai até o outro,
mas não consegue fazer o movimento inverso, ele não volta a si mesmo como condição de sua
própria compreensão, isto explica, em muito, a causa e o motivo de sua queda e fracasso constantes
na narrativa.
Portanto, Xilim cria a sua percepção de mundo, inicialmente, a partir da vivência na casa do
patrão Campos, uma vez contaminado por este ambiente, sendo necessário estar entre “diferentes”
para perceber a sua distinta condição racial e social entre eles, a personagem abre-se para um
questionamento existencial, quem era ele naquele meio, o que era um ser mulato numa terra de
brancos e negros? Com isso, gerou-se um ser que ao mesmo tempo em que se climatizava com o
espaço também se repelia dele.
1...,50,51,52,53,54,55,56,57,58,59 61,62,63,64,65,66,67,68,69,70,...196
Powered by FlippingBook