I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 20

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A escola naqueles longes era uma necessidade e uma aventura. Aventura para uma
moça, jovem, bonita, que podia desfrutar em São Vicente de uma vida mais movimentada,
entretanto ela estava ali, a ensinar à garotada, que olhava admirada para mestra que escrevia
no quadro-negro:
"...números e letras irrompiam
no negrume
do quadro
como fantasmas misteriosos
das trevas da noite."
(destaque nosso) (
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)
Maria Alice representa, como dissemos, a mestra do interior. Dedicada, e como
acontece com quase todas as professoras de fazenda, há uma aura de mistério sobre sua
pessoa. Logo surgem perguntas como: Por que uma jovem, bonita como esta, escolheu este
fim de mundo para lecionar? Até quando ela ficaria? A sua escolha seria por idealismo ou
ela estaria fugindo de algum amor frustrado? São questões compreensíveis visto que é
estranhável a presença de uma pessoa jovem que, desprezando as comodidades da cidade,
resolve trabalhar tão longe.
A necessidade, muitas vezes, obriga uma pessoa a deslocar-se para longe, em busca
do trabalho. Trata-se de uma questão de sobrevivência. Outras vezes, bem poucas, aliás, é
somente o idealismo o elemento motivador para a ida de educadores para as regiões
distantes e carentes. De qualquer maneira, as duas razões são importantes, e a dedicação
não difere uma da outra. O
carinho
e o
senso de responsabilidade
são predominantes
nessas situações.
Quando falamos em
senso de responsabilidade
, referimo-nos ao trabalho realizado
pelos professores das zonas rurais. O valor social desse trabalho é muito grande. As
crianças camponesas não dispõem de condições para se deslocarem até os centros
urbanizados para estudar. Elas precisam ajudar seus pais no trabalho diário. Por essa razão,
o papel do educador rural é de extrema importância social. No Nordeste brasileiro, esse
trabalho é executado, também pelas professoras
leigas
. Essas professoras não possuem
diploma de magistério, mas se empenham para alfabetizar os filhos de camponeses e
pescadores. Pena que o Estado trate com tanta indiferença a atuação dessas mestras.
Maria Alice está muito bem caracterizada por Manuel Lopes, pois ela é uma
personagem retirada da realidade concreta de Cabo Verde. Há muitas
Marias Alices
em
Cabo Verde!
(
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)idem, p. 51
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