I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 27

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Napumoceno vem agora chatear a gente com essa outra coisa.[...]Por
razões de comodidade de transporte trocou gira-discos por um gravador e
gravou mil e duzentos metros de marcha fúnebre numa bobine, repetindo-
a catorze vezes. (ALMEIDA, 1996, p. 17-19).
Carlos, ao tentar realizar o último desejo de seu tio coloca-se em uma situação
embaraçosa com os músicos locais. Ninguém sabia tocar a música de desejo de
Napumoceno, e a resolução fica por conta de um gravador e alto-falantes que repetem a
música inúmeras vezes durante o enterro. A situação, que pedia um decoro e solenidades
pelo caráter e o tratamento comum que se costuma dar a enterros, é descontraída pela
discussão da música a ser utilizada. O morto é caluniado como se estivesse presente, e o
chefe da banda considera este pedido um disparate pois ‘se toda gente vai com
djosa
e
nunca houve reclamações’. O uso do humor pela contrariedade da situação dado o impasse
entre a cultura local e uma cultura erudita ocidental, contrasta com a serenidade da ocasião.
Assim sendo, a presença da música configura-se em mais um elemento cômico que se
insere na obra de forma a ditar sua estrutura e o tom. Este tom de toda a construção do
romance, conservando-se o diálogo com a história da comédia antiga, caracteriza-se por um
cunho crítico.
Enumerado alguns elementos cômicos presente na obra, é possível perceber de que
forma se aponta para uma nova literatura cabo-verdiana e porque Germano Almeida traz
sua contribuição para a adoção dos novos rumos da literatura cabo-verdiana. Esses
artifícios do riso são responsáveis ainda por uma postura crítica, não escapando de provocar
no leitor reflexões sobre a realidade cabo-verdiana, e talvez, mais amplamente, sobre
configurações sociais encontradas em todas as sociedades.
III. Artifícios do riso – A crítica por detrás do cômico
Discorrido sobre o gênero da comédia e sua utilização em
OTSN,
faz-se ainda
necessário mencionar a importância da comédia como forma de manifestação crítica em
diversas esferas, afinal, “[...] a paródia e o humor se inserem, pela via ficcional, como
importantes elementos de aferição crítica de seu contexto sócio-histórico” (MARCO;
QUEIROZ, 2010, p. 171). O humor não surge unicamente com o intuito do riso, mas
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