I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 18

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Manuel Lopes mostra
as agruras e as durezas
enfrentadas pelos caboverdianos, a condição
precária, a quase-impotência diante dos fenômenos naturais. Ao lado das grandes
dificuldades, havia uns poucos momentos de
calma
ria. É o que ele quer transmitir-nos.
Na vida real conhecemos muitas pessoas que trazem mau agouro, têm
olho gordo
,
ou são maledicentes. Essas pessoas carregam uma carga negativa muito grande. Parece que
elas destilam ódio por todo o corpo. Aninhas é uma personagem que representa essas
pessoas. Trazia sempre más notícias, e quando as dava, era com um
prazer incontido,
que
se percebia no
seu olhar de velha bruxa.
Há um certo simbolismo na construção da velha Aninhas. Ela sempre é
caracterizada como uma mulher cruel, sádica, uma figura horrenda e repugnante:
Não tinha dado meia-dúzia de passos quando a viúva Aninhas assomou atrás das
piteiras da Assomada, com seus passinhos de
jerico chouteiro, os dedos dos pés
aparecendo e desaparecendo
na orla da saia arrastadeira...Sabia novas, e foi contando, as
bochechas chupadas
batendo nas
gengivas mochas
dos dentes. (
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)
Como a velha bruxa havia também os corvos, que, além de destruírem os roçados
nos tempos de fartura, também são aves de mau agouro, pois são indícios da morte. Porém,
lutar contra obstáculos de todo o tipo era costume diário dos caboverdianos, não seria uma
velha boateira e nenhuma canhota ou corvo que derrubariam o ânimo deles. Para os corvos
havia as crianças e as mulheres que os enxotavam para bem longe. O correto, agora, era
corrigir o que a chuva havia feito, o principal era restaurar o tanque que fora destruído pelas
águas:
A água nascia entre duas saliências de granito que atenazavam a parte superior de
uma lájea, a qual formava uma rampa escorregadia de um metro e meio; irrompia, límpida
da nascente, entrava no sulco que a erosão abria na lájea e ia perder-se no pedregal... (
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)
A enxurrada levou o húmus da terra, era preciso de muito trabalho para restabelecer
a fertilidade do solo. José da Cruz tinha muitos sonhos. O ser humano precisa viver
também de sonhos, eles indicam que o homem ainda vive, que tem ambições. No momento
em que ele para de sonhar, a vida deixa-o. Todos sonham, mesmo os mais humildes e
explorados. Manuel Lopes sabe disso e constrói seus personagens com essas
(
15
)idem
(
16
)idem, p. 44
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