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caráter polissêmico das palavras, a multiplicidade de vozes - não só a voz
esperançosa
de
José da Cruz, mas também o
eco
que se faz ouvir nas vozes de sua mulher e de seus
companheiros e, também a
voz
do vento - aparecem na narrativa de Manuel Lopes.
A ansiedade agora é para que a chuva amaine um pouco. Angústia e desespero
tomam conta de todos, os estragos poderiam ser enormes. A semeadura de José da Cruz
poderia perder-se na enxurrada:
"Terranegra estava envolvida por uma espessa cortina de água..." (
11
)
A tão sonhada chuva veio, mas veio muito forte, causando apreensão e medo. A
chuva deu uma pequena trégua, entretanto voltou à carga com mais força, inundando e
destruindo, obrigando muitas pessoas a gritarem por socorro. O quadro era caótico. O vento
havia derrubado casas, currais, enfim, levou tudo que até as coberturas de palhas dos
funcos
foram para o ar.
A tragédia da seca dera lugar à tragédia das águas. Continuava a luta do homem
contra a natureza, uma luta bastante desigual, mas a sina do ilhéu era sempre a mesma: lutar
sempre contra as forças naturais, mesmo que a derrota fosse a única certeza. Manuel Lopes
retira desse caos, momentos de intensa tensão e poesia:
"As ribeiras despejavam barro e húmus nas praias, cobria o mar de manchas
vermelhas, do sangue da terra"
destaque nosso (
12
)
Contudo, eles preferem os estragos da chuva à incerteza da estiagem. Com o
amainar do tempo, as esperanças estariam renovadas, os homens respirariam e voltariam a
sentir
vontade e prazer de viver
. De fato, só o respirar o odor da
terra molhada
, já
significava muito para quem temia tanto pela falta d'água:
Não havia para ele melhor perfume que este; o cheiro a suor da terra, que penetrava
o corpo e o espírito do homem, alimentava-lhe os músculos dos braços e a vontade de
viver, abria-lhe uma certeza e caminho (
13
)
A ficção se confunde com a realidade, mais uma vez. Aliás, a realidade parece ser
mais fantástica que a ficção. O escritor que representa a realidade cria o que chamamos
efeito do real
, isto é, o ficcionista faz
parecer
real o que é
inventado
. Daí, essa
confusão
que se faz, ao deparar-se com uma narrativa que tem como objetivo narrar a realidade
(
11
)idem, p. 25
(
12
)idem, p. 26
(
13
)idem, p. 28